A escola também será responsável pela exclusão escolar?
«Assim, realizada a análise dos [Processos Individuais do Aluno] destes 25 alunos marginalizados que abandonaram a escola, posso concluir que, nas escolas estudadas, se praticou, de modo gradual, contínuo, silencioso, oculto e despercebido, um modo de exclusão escolar, que consta habitualmente dos doze passos seguintes:
1. Precocemente, as escolas detetam as situações de desajustamento e conflito entre certos alunos e a escola (no 1.º ou no 2.º ano) e identifica-os como "alunos em risco".
2. A escola produz vários documentos de identificação e análise destas situações, elaborados seja pelos professores seja por técnicos (psicólogos e médicos), que lhes assinalam quase exclusivamente défices e patologias.
3. A escola aciona um conjunto de dispositivos de apoio aos alunos, de entre um menu que o Ministério da Educação autoriza, e que é geralmente composto pelo reforço das aprendizagens disciplinares (com destaque para o Português e a Matemática) e por "adequações curriculares", que são sobretudo formas de proporcionar, respetivamente, mais do mesmo e menos do mesmo.
4. A documentação construída começa a construir uma arquitetura analítica assente em debilidades pessoais (e doenças), défices familiares e de contexto (pobreza, negligência, violência, etc.), dificuldades escolares e desajustamentos comportamentais, uma autêntica "arquitetura da exclusão" (Flores, 2016, p.4).
5. Além desta desclassificação pessoal sistemática, os alunos são reprovados várias vezes e obrigados a repetir o mesmo ano de escolaridade, com o mesmo currículo, do mesmo modo, passando a integrar, como repetentes, turmas com colegas cada vez mais novos, o que os desintegra e desmotiva ainda mais.
6. A transição do 1.º para o 2.º ciclo só agrava estas situações, incluindo no 5.º e 6.º anos as ordens de saída da sala de aula, os procedimentos disciplinares e as suspensões.
7. Os alunos (a par das famílias), através de informações trimestrais, vão sendo sistemática e individualmente culpabilizados pelos seus comportamentos e resultados escolares, pois nunca aproveitam as capacidades que têm e as oportunidades que a escola especialmente lhes oferece, num processo que, quanto mais se amplia, mais coloca na sombra a responsabilidade da própria escola.
8. Diante das atitudes e dos comportamentos disruptivos dos alunos, sempre que se repetem, a escola pune e pune cada vez mais severamente os alunos em falta, que aumentam a gravidade dos comportamentos, num efeito de bola de neve, no quado de uma ação não dialógica e desencorajadora, que está bem longe das finalidades pedagógicas que a lei prevê.
9. O aluno, a braços com vários problemas no seu crescimento e diante deste modo de atuar da escola, vai desconectando da mesma, revelando cada vez maior desinteresse, mais elevado absentismo e uma recusa crescente da frequência das aulas, mesmo estando na escola, e vai acumulando uma crescente revolta.
10. Diante desta "espiral negativa", que atribui ao aluno a principal responsabilidade pela sua situação (porque não aproveita quer as imensas oportunidades que a escola lhe dá, quer as suas próprias capacidades) e sendo-lhe negado o seu verdadeiro rosto (a sua identidade pessoal e sociocultural é desmembrada) (Esteban, 2008), o aluno assume cada vez mais o exercício do papel que lhe é atribuído pela escola: o incapaz, o repetente, o malcriado, o rebelde, o que não tem nada a perder nem a ganhar.
11. A escola, ao fim de várias tentativas de aplicação de medidas de "apoio pedagógico", de "recuperação" do insucesso e de repetição de ano de escolaridade, ainda encaminha o aluno, por vezes, para "modalidades especiais" de realização do percurso escolar (como Cursos de Educação e Formação, Percursos Curriculares Alternativos, Cursos Vocacionais, Programa Integrado de Educação e Formação), cursos a que se tem acesso através da acumulação de insucesso.
12. Construído o aluno inensinável e ineducável, excluído da escolarização e mantido no interior da escola, que só consegue afirmar a sua identidade agindo contra a instituição, e diante de um palco de tensão e conflito crescentes, o mesmo aluno cede, começa a faltar sistematicamente e acaba por concluir que "definitivamente este não é um lugar para mim" e abandona a escola.
Desenha-se, assim, lentamente, durante nove a dez anos, uma espiral de práticas "educativas" seletivas e humilhantes que expulsam estes alunos das escolas.
(...)
O que verificamos é que cada uma destas crianças catalogadas como "alunos de risco" deixa de receber o devido cuidado educativo personalizado (não normalizado) na exata medida em que vai sendo catalogado como tal e na medida em que lhe vão sendo aplicadas as normas vigentes, seja sobre o currículo a seguir, seja de transição de ano, de apoio pedagógico, de encaminhamento para determinados cursos construídos para alunos assim previamente catalogados, seja de acompanhamento pelas CPCJ. Aplicam-se as normas e isso tranquiliza quem as aplica e faz aplicar. A conclusão habitual para as conversas sobre a capacidade de as escolas cuidarem destes alunos que faz reprovar repetidamente, sem construir alternativas educativas sérias e sem fundar todo o edifício da aprendizagem e do desenvolvimento nas capacidades específicas de cada um deles, é a de que pouco se pode fazer porque "o Ministério da Educação não permite isto e aquilo", "não nos dá recursos nem temos liberdade ou autonomia","ainda nos colocam um processo disciplinar em cima se procedermos a alterações face ao que está previsto", etc.»
Azevedo, J. (2024). Modo de Produção da Exclusão Escolar. Olhar a escola a partir dos excluídos (pp. 110-2, 152). Vila Nova de Gaia: Fundação Manuel Leão.
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