O falhanço da “grande reforma educativa” mundial

O movimento político da “grande reforma educativa” a nível mundial, no último meio século, fica marcado por uma corrida desenfreada até ao topo. O lançamento do Sputnik russo, na década de 1960, impulsionou os EUA a apostarem no desenvolvimento e inovação científica e matemática nas escolas. A ascensão económica do Japão e outras economias asiáticas, nos anos 80 e 90, fizeram os EUA copiar os métodos educacionais nipónicos – trabalho escolar mais rigoroso, mais testes padronizados e mais horas de escola durante o ano letivo. Na passagem de século, as economias emergentes da China e da Índia incentivaram iniciativas várias (intergovernamentais, governamentais, empresariais, de consultoras) em busca das competências para o século XXI a ensinar nas escolas para o sucesso dos futuros trabalhadores, aliadas a exigências curriculares mais duras, padrões nacionais comuns, mais testes, maior competição entre professores e escolas e trabalho mais árduo para todos. Mas, apesar desta correria louca, os padrões e o desempenho de professores e escolas americanas diminuíram constantemente, ao longo do último quarto de século, em relação às referências internacionais. Os EUA, os países anglo-saxónicos e outros países sob a sua influência continuaram e continuam hoje a aplicar a mesma receita, impondo cada vez mais do mesmo: força, pressão, vergonha, intervenção de cima para baixo, mercados, competição, padronização, testes, acesso mais fácil e rápido para o professorado, encerramento de escolas com falhas, despedimento de professores e diretores ineficazes e novos começos com jovens professores e escolas recém-estabelecidas. (Hargreaves, 2015)
No entanto, críticos como Michael Fullan1 (2010) arrasam as reformas políticas americanas, inclusive as de Obama, como a intenção de reverter as 5.000 escolas de pior desempenho do país, alargar os limites para o estabelecimento de escolas charter e introduzir medidas como pagamento indexado ao desempenho para aumentar a qualidade do professor. Para Fullan, esta estratégia baseia-se numa teoria fracassada de que a qualidade do professor pode ser aumentada por um sistema de recompensas competitivas, não tem em conta, como deveria, o desenvolvimento de capacidades dos líderes e professores de melhorarem juntos, como um sistema, segue um modelo de gestão errado, no qual cada um gere a sua própria unidade, é responsável por resultados e compete com os seus semelhantes, criando feudos, quando deveria criar condições e incentivos para que os profissionais se ajudem mutuamente.
No que respeita à “política” educativa de Donald Trump, esta parece ir no sentido de um reforço do ensino vocacional médio e rapidamente profissionalizante, para alimentar o mercado de trabalho “crescente”, como se pode depreender das suas parcas palavras sobre educação no recente discurso sobre o estado da união2.
Diane Ravitch3 (2010) enfatiza que a remuneração baseada no desempenho liga as recompensas dos professores aos resultados em testes de «design assustador» e validade duvidosa e, além disso, «destroem o trabalho em equipa» entre profissionais, que, em vez disso, «precisam de compartilhar o que sabem». Por outro lado, a promoção das charter schools não tem em conta as evidências que indicam que elas não superam, de forma consistente ou mesmo em média, as suas alternativas escolas do distrito público.
Por outro lado, enquanto a China – o maior concorrente económico dos EUA – está a descentralizar o currículo, a diversificar a avaliação e a incentivar a autonomia e a inovação locais e Singapura está a promover um ambiente criativo sob o lema “ensinar menos, aprender mais”, os EUA e muitos outros países no mundo continuam, teimosa e autoritariamente, a ditar o que os alunos devem aprender e o que as escolas devem ensinar! (Zhao, 2009) 4
Como aponta Hargreaves (2015), muitas culturas e sociedades anglo-saxónicas e outros países sob a sua influência, desenvolveram uma obsessão nada saudável com tudo o que é maior, mais difícil, mais forte e mais rápido, com repercussões nas políticas educativas, sobredimensionadas, esgotantes, em suma, «uma reforma escolar artificialmente reforçada em esteroides»!
Como mostra Sahlberg (2015), a Finlândia trocou a ambição pelo topo, pelo interesse em proporcionar uma educação equitativa e efetiva a todas as suas crianças e jovens. Mas a Finlândia não é caso único no que toca a escapar à “grande reforma educativa mundial”. Também o Japão, Xangai, Singapura, Coreia do Sul, a Estónia, a Polónia (antes de ter revertido recentemente o rumo, por razões meramente ideológicas!) enveredaram por um caminho diferente. Curiosamente, são esses sistemas educativos que têm vindo a ter resultados mais elevados nas avaliações internacionais dos conhecimentos e competências dos jovens. Se é possível trabalhar para a aprendizagem efetiva, sob o lema “less is more”, com gestão curricular autónoma, descentralizada e local, embora com referenciais nacionais, em países e jurisdições tão diversos como a Finlândia e Xangai, a Estónia ou Singapura, então também será possível para outros países. Basta criar conhecimento e competência a par da confiança necessária nos agentes educativos profissionais.
Ora, o cenário internacional atual parece indicar que as políticas educativas deverão centrar-se, como a evidência mostra, não na pressão irracional sobre professores, pais e alunos para resultados em testes padronizados, mas no incentivo e na criação de condições para um trabalho colaborativo, gerador de desenvolvimento profissional dos professores e, concomitantemente, impulsionador de melhores e mais efetivas aprendizagens nos alunos, orientadas, essencialmente, por uma avaliação como aprendizagem e para a aprendizagem. Reduzir-se-á o enfado nas escolas, os alunos aprenderão melhor e efetivamente mais e o mercado de trabalho não deixará de beneficiar de jovens cidadãos com maior valor acrescentado, mas com uma mais reforçada liberdade humanizadora.
Referências:
Fullan, M. (2010). All systems go: The change imperative for whole system reform. Thousand Oaks, CA: Corwin.
Hargreaves, A. (2015). Foreword to the first edition: unFinnished business. In Pasi Sahlberg, Finnish Lessons 2.0. What can the world learn from educationl change in Finland?, 2nd edition, New York and London: Teachers College Press.
Ravitch, D. (2010, July 6). Speech to the Representative Assembly of the National Education Association, New Orleans, LA.
Sahlberg, P. (2015). Finnish Lessons 2.0. What can the world learn from educationl change in Finland? (Prefácio à 2ª ed.), 2nd edition, New York and London: Teachers College Press.
Zhao, Y. (2009). Catching up or leading the way: American education in the age of globalization. Alexandria, VA: ASCD.

1 Conselheiro para as mudanças internacionais.
3 Ex-secretária adjunta norte-americana da Educação.
4 O principal especialista norte-americano em reforma educacional na China e no Sudeste Asiático.

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