Para compreender a reparação


«Para construir este mundo que é o nosso, será necessário restituir, àqueles e àquelas que passaram por processos de abstração e de coisificação na história, a parte da humanidade que lhe foi roubada. Nesta perspetiva, o conceito de reparação, para além de ser uma categoria económica, remete para o processo de reunião de partes que foram amputadas, para a reparação de laços qie foram quebrados, reinstaurando o jogo da reciprocidade, sem o quel não se pode atingir a humanidade.

Restituição e reparação estão portanto no centro da próipria possibilidade da construção de uma consciência comum do mundo, do cumprimento de uma justiça universal. (...) A ética da restituição e da reparação implica por conseguinte o reconhecimento daquilo a que podemos chamar a parte do outro, que não é a minha, e da qual eu sou no entanto o garante, quer queira quer não. (...)

Reparação, há que explicar, porque a história deixou lesões e cicatrizes. O processo histórico foi, para grande parte fda nossa humanidade, um processo de habituação à morte do outro - morte lenta, morte por asfixia, morte súbita, morte delegada. Esta habituação à morte do outro, daquele ou daquela com quem se crê nada haverf para partilhar, estas formas múltiplas de enfraquecimento das fontes vivas da vida em nome da raça ou diferença, tudo isso deixou vestígios muito profundos, quer no imaginário e na cultura, querf nas relações sociais e económicas. Tais lesões e cicatrizes impedem de fazer comunidade. De facto, a construção do comum inseparável da reinvenção da comunidade.»

Mbembe, A. (2017). Crítica da Razão Negra (pp.304-5). Lisboa: Antígona.

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