A história a caminho da igualdade


«(...) existe um movimento de longo prazo que caminha para mais igualdade social, económica e política ao longo da história.

Claro que não se trata de uma história pacífica e, ainda menos, linear. As revoltas e as revoluções, as lutas sociais e as crises de todos os tipos desempenham um papel central na história da igualdade (...). Esta história também é pontuada por múltiplas fases de marcha-atrás e de recúos identitários.

Contudo, existe um movimento histórico para a igualdade, pelo menos desde o final do século XVIII. O mundo dos inícios do ano 2020, por mais injusto que possa parecer, é mais igualitário do que o de 1950 ou de 1900, que eram eles próprios, e sob múltiplos aspetos, mais igualitários do que os de 1850 ou 1780. As evoluções precisas variam segundo os períodos e consoante o interesse das pessoas nas desigualdades entre classes sociais definidas pelo estatuto jurídico, a propriedade dos meios de produção, o nível de rendimentos ou de diploma, o género, a origem nacional ou étnico-racial (...). Mas, a longo prazo, a constatação é a mesma independentemente do critério utilizado. Entre 1780 e 2020, observamos evoluções que se dirigem para mais igualdade de estatuto, de propriedade, de rendimento, de género e de raça na maior parte das regiões e sociedades do planeta e, em certa medidal, à escala do mundo. (...)

A tendência de longo prazo é real desde o final do século XVIII, mas não deixa de ser limitada na sua amplitude. (...) as diferentes desigualdades continuam a estabelecer-se a níveis consideráveis e injustificáveis sobre o conjunto dessas escalas (estatuto, propriedade, poder, rendimento, género, origem, etc.), que, ainda por cima, acumulam amiúde os seus efeitos a nível individual. Afirmar a existência de uma tendênia para a igualdade não constitui, de modo algum, um apelo a embandeirar em arco, muito pelo contrário.Trata-se antes de um apelo a continuar a luta, sobre uma base histórica sólida. Debruçando-nos sobre o modo como este movimento para a igualdade se produziu realmente, poderemos tirar lições preciosas para o futuro, compreender melhor as lutas e as mobilizações que o tornaram possível, bem como os dispositivos institucionais e os sistemas jurídicos, sociais, educativos e eleitorais que permitiram que a igualdade se tornasse uma realidade duradoura. Infelizmente, este processo de aprendizagem coletiva das instituições justas é enfraquecido amiúde pela amnésia histórica, o nacionalismo intelectual e a compartimentação dos saberes. Para prosseguir a caminhada para a igualdade é urgente regressar à história e transpor as fronteiras nacionais e disciplinares.»

Piketty, Th. (2022). Uma Breve História da Igualdade (pp. 13-4). Lisboa: Temas e Debates.

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