A "velha" ideia de federalismo como solução para a atual crise política da União Europeia


Uma das preocupações de Montesquieu, visíveis no seu Do Espírito das Leis (1748; trad. port. Lisboa: Edições 70, 2011), foi como garantir que um governo representativo poderia assegurar a liberdade e evitar a corrupção. Partindo do pressuposto de que «todo o homem que tem poder é levado a abusar dele» (Montesquieu, 2011, p. 303) propôs que, «para que se não possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder trave o poder» (ibidem), estabelecendo o conhecido sistema de freios e contrapesos (checks and balances), em que o governo tem o direito de frear certos empreendimentos do povo e o povo tem o direito de frear certos empreendimentos do governo. Note-se como esta continua a ser uma preocupação dos cidadãos de uma qualquer democracia representativa atual!

Tendo ido para a América estudar o seu regime penitenciário, Alexis de Tocqueville acaba por nos legar mais uma eminente obra de reflexão profunda sobre os problemas da moderna democracia: Da Democracia na América (1835; trad. port. Estoril: Principia, 2001). Um desses problemas é a chamada tirania da maioria e a solução proposta por Tocqueville é um conjunto de contrapesos, conjugados com uma adequada descentralização administrativa («a centralização é mestra em impedir, não em fazer». Tocqueville, 2011, vol. I, p. 131), que se consubstancia no sistema federal de governação.

Ora, veja-se como o seguinte excerto, que Tocqueville escreveu, nas primeiras décadas do séc. XIX, sobre a jovem democracia americana, se poderia endereçar à União Europeia e aos seus impasses de hoje: «Era preciso partilhar a soberania de tal modo que os diferentes Estados quer constituíam a União continuassem a governar-se a si próprios em tudo o que dissesse respeito à prosperidade interna, sem que toda a nação, representada pela União, deixasse de constituir uma só entidade ou de prover a todas as suas necessidades de caráter geral» (Tocqueville, 2011, vol. I, 135). Na verdade, o federalismo foi a solução que os constituintes americanos de 1787 legaram à posteridade, que Tocqueville admirou e que veio depois a ser elevado a projeto político transcendental por Immanuel Kant, um «centro de aliança federativa a que os outros Estados possam aderir, a fim de assim assegurar a liberdade dos Estados conforme à ideia do direito das gentes [direito internacional] e de estender esta aliança sempre mais por outras associações deste género» (Kant, A Paz Perpétua e outros opúsculos, Lisboa: Edições 70, 2004, p. 135).

Esta ideia fecunda de uma aliança de povos em torno de um projeto político assente em princípios ético-políticos fundamentais partilhados (como, entre outros, a democracia representativa, separação de poderes e freios e contrapesos) está na origem inspiradora da União Europeia, a que só falta agora, sobremaneira nesta fase de perigosa crise política (pelo menos, subliminar!), a interpretação devida no sentido do federalismo (veja-se, v.g., entre nós, Viriato Soromenho Marques, Portugal na Queda da Europa, Lisboa: Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2014).

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