Interpretações e desconhecimentos acerca dos “chumbos”

Algumas escolas estarão a “passar” alunos com 4 e 5 “negativas”, por, supostamente, terem interpretado mal um dispositivo legal de orientação da avaliação. Trata-se do despacho normativo n.º 1-F/2016, de 5de abril de 2016, muito provavelmente não lido com a devida atenção por muito boa gente!

Então, vamos a isso – ler!

No n.º 3 do art.º 3.º, lê-se que a «avaliação tem uma vertente contínua e sistemática e fornece ao professor, ao aluno, ao encarregado de educação e aos restantes intervenientes informação sobre o desenvolvimento do trabalho, de modo a permitir a revisão e melhoria do processo de ensino e de aprendizagem». O nº1 do art.º 6.º começa por enunciar que a avaliação visa, principalmente, a «promoção das aprendizagens»(Sublinhados nossos.)

Quanto ao famigerado art.º 21.º há que, antes de mais, ler, pelo menos, os seus primeiros três pontos:

«Artigo 21.º Condições de transição e de aprovação. 1 — A avaliação sumativa dá origem a uma tomada de decisão sobre a progressão ou a retenção do aluno, expressa através das menções, respetivamente, Transitou ou Não Transitou, no final de cada ano, e Aprovado ou Não Aprovado, no final de cada ciclo. 2 — A decisão de transição para o ano de escolaridade seguinte reveste caráter pedagógico, sendo a retenção considerada excecional. 3 — A decisão de retenção só pode ser tomada após um acompanhamento pedagógico do aluno, em que foram traçadas e aplicadas medidas de apoio face às dificuldades detetadas.»

Exegese (difícil!). Ora, isto significa, tendo em conta os conhecimentos atuais na área da Educação, designadamente, de docimologia (ciência da avaliação), que: 1. O(s) professor(es) tomam todas as medidas para, ao longo do ano letivo, ajustar o ensino às necessidades e características de aprendizagem dos alunos (avaliar diagnóstica e formativamente é isso mesmo!), com o intuito de que haja mais e melhor aprendizagem possível; 2. Caso o aluno, ainda assim, no final do ano não aprenda, por motivos alheios ao ensino do(s) professor(es), o suficiente, conforme estipulado na lei, para transitar para o patamar de aprendizagem seguinte, deverá então voltar a repetir as aprendizagens desse ano letivo (o que é, diga-se, à luz do conhecimento atual, pedagogicamente ineficaz! Há muito bons sistemas educativos em que não existe retenção, mas em que há aprendizagem!). 3. No caso de retenção, os professores diagnosticam as causas que levaram o aluno a não aprender o suficiente e delineiam estratégias para a sua superação. É para isto que serve a avaliação – para orientar a aprendizagem!

Será muito difícil interpretar isto? O mais desgostante é que alguns decretos legislativos parecem verter mais conhecimento que as práticas de alguns profissionais da educação e da informação, para não falar dos muitos que opinam nas redes sociais!

Portanto, os chumbos não são mesmo a solução mais eficaz para gerar aprendizagem, que é para isso que serve a escola. A sua lógica é punitiva e a sua consequência é a segregação e a exclusão social e cultural. O que importa é criar condições (pedagógicas, organizacionais, curriculares e sociais) para que todos os alunos tenham um percurso escolar eficiente e eficaz, naturalmente diversificado, conforme as suas aptidões e esforço, no qual aprendam o mais e melhor que lhes seja possível. Continuamos, pois, demasiado focados no "se passa ou não passa", em vez de nos focarmos em "se aprende ou não aprende", quem aprende, se todos aprendem o que poderiam aprender ou não! Quanto à legislação supostamente descuidada e as interpretações a preceito... com isso já deveríamos estar habituados!

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