“Viver em continentes” ou como educar crianças para a cidadania multi e intercultural
«Os professores costumam redigir um relatório acerca de cada
aluno para que a pessoa que ficar com ele no ano seguinte possa ter algumas
referências. Eu, pelo contrário, gosto de começar do zero. Não leio os
relatórios acerca dos alunos. Quero dar-lhes a oportunidade de serem eles
próprios a mostrarem-me quem e como são. (…) Quantas vezes um aluno com um
relatório onde se lê “atenção a este” foi inesperadamente colocado junto à
secretária do professor no primeiro dia de aulas quando apenas precisa de
carinho.
Dispus as carteiras em cinco grupos distribuídos pela sala
de aula. Quando entraram, mandei-os sentarem-se onde quisessem e esperei que
cada um estivesse no seu lugar.
– Vão viver em continentes – disse-lhes.
Sob o seu olhar atento e ansioso, baptizei os cinco
continentes: Mundo Velhote, Nova Sapatilha, Terras Médias de Rancia, Panizoland
e Alfância do Sul.
Sentiam-se emocionados. Criaram logo os cartazes e o escudo
do seu continente. Ao fim de poucas semanas chegou às minhas mãos, por acaso,
um presente. Fiquei a saber que “clandestinamente” escreveram a história de
cada um desses continentes, desde a origem remota que inventaram para cada um
até aos costumes, a moeda, palavras pertencentes à língua vernácula e
específica do lugar… Encantou-me ver que as crianças se sentiam crianças, que
estavam como em sua casa.
A minha intenção era que mudassem de continente todos os
meses para conviverem com outras pessoas e enriquecerem com a diversidade.
Se algum menino ou menina não obedecia à regra básica do
respeito pelos outros era convidado a exilar-se em Creta, separando o seu
pedaço de terra do continente. A possibilidade de regressar ao continente
dependia da sua própria vontade e ao fim de alguns dias, durante os quais o
exilado pensou no incidente, a ilhota juntava-se de novo ao continente original.
Só durante uma semana é que se formaram três ilhas: Creta, Sicília e Elba.
Durante o resto do ano não houve mais exilados.»
Bona, C. (2017). A Nova Educação (pp. 121-123), Lisboa: Objetiva/Penguin Random House.
Bona, C. (2017). A Nova Educação (pp. 121-123), Lisboa: Objetiva/Penguin Random House.
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