Formação contínua de professores? Sim, claro: a sério e já!

O recente relatório do Conselho Nacional de Educação, referente a 2015, mostra que 7% dos professores do 1º ciclo do ensino básico e 20% dos restantes ciclos e do ensino secundário possuem formação pós-graduada (mestrado e doutoramento). Há mesmo 80% dos docentes que afirmam “ter tido formação ao nível dos conteúdos e currículo”. Tal pode, efetivamente, fazer crer, à primeira vista, que a formação dos professores é suficientemente elevada. Mas o Ministro da Educação já fez saber que vai reforçar a formação de professores, alegando que os alunos dos 2.º, 5.º e 8.ºanos de escolaridades apresentaram resultados insatisfatórios nas provas de aferição.

Ora, como mostra também aquele relatório, há um crescente envelhecimento da classe docente (em 2015, 39% tinham mais de 50 anos de idade; a média global é de 23 anos de serviço). Assim, é lícito supor que a formação inicial da esmagadora maioria, embora ao nível da licenciatura, esteja longe de ter colhido os atuais frutos do conhecimento sobre educação e ensino (o que teria sido o meu caso pessoal, com quase 50 anos de idade e 22 anos de serviço). Quanto à experiência, tantas vezes exageradamente enaltecida (porque absolutizada), se não for refletida e alimentada de conhecimento, pode significar simplesmente a perpetuação acrítica dos mesmos métodos mais ou menos ineficazes. E não acredito – não é visível – que a dita formação ao “nível dos conteúdos e do currículo” tenha sido suficiente para colmatar completamente aquela lacuna.

A formação contínua organizada pelos centros de formação de agrupamentos de escolas tem versado, nas últimas duas décadas, sobretudo temas marginais, por muito pertinentes, mas deixando sempre de fora o essencial – o desenvolvimento curricular, as metodologias de ensino e aprendizagem e temas diretamente relacionados. Na última década, para além de formações em primeiros socorros, consumos de drogas e álcool e similares, sobressaem exceções como a formação em quadros interativos, embora tenham caído no esquecimento em muitas escolas, porque desgarradas de uma mudança paradigmática substancial na atitude perante o ensino. Quem fez formação no currículo e seu desenvolvimento e temas afins, efetivamente relevantes para gerar mais e melhores aprendizagens nos alunos, teve que voltar à Universidade. Mas com o impacto ridículo na progressão na carreira (o grau de mestre reduz em dois anos no tempo de serviço legalmente exigido para a progressão ao escalão seguinte e o de doutor, 2 anos, em escalões de 4 anos!), acrescido dos mais de 9 anos de congelamento de carreiras, pagar este tipo de formação mais dispendiosa deixou de fazer sentido para muitos. O modelo de formação a partir do contexto, das necessidades de cada escola e dos seus professores, desenvolvido teoricamente nas últimas décadas, tem começado a sua tímida implementação no terreno. No entanto, o desalento geral pelas agruras da profissão, tantas vezes vilipendiada por governos e sociedade civil, aliado a um crescente afastamento do conhecimento entretanto produzido sobre educação, continua a enclausurar cada professor no seu nicho de ação repetitiva de receitas ancestrais, vulgarizado como experiência. Até a avaliação do desempenho, designadamente a avaliação externa (efetuada por um professor de outra escola), enferma do caricato caso de o avaliador nem sempre dominar, nem o conhecimento específico em avaliação de docentes, nem o conhecimento pedagógico e até científico, pelo menos tanto como o avaliado! A supervisão e avaliação de professores é muitas vezes feita simplesmente pelos professores mais velhos, não necessariamente em condições de incrementar desenvolvimento profissional no avaliado, que é a essência da avaliação, prática que resvala muitas vezes para a mera conformidade burocrática.

Acresce o óbvio argumento de que o conhecimento em educação tem aumentado bastante no último meio século, não apenas nas tradicionais Ciências da Educação – a Sociologia, a História, a Economia e a Psicologia da Educação –, mas também nos recentes desenvolvimentos da Psicologia Cognitiva e das Neurociências. Se pensarmos, por exemplo, no importantíssimo conhecimento sobre como o nosso cérebro aprende e que, em contrapartida, praticamente não há uma cadeira de Neurociências, sequer, na formação inicial de professores nas Universidades portuguesas, isto só pode fazer-nos correr – em lugar de nos deprimir – em busca desse conhecimento!
O trabalho docente, aliás como muitos outros de elevada complexidade, implica, cada vez mais, trabalho colaborativo e atualização constante. Imagine-se como será trabalhar num grupo de 10 professores, em que, supostamente, apenas dois tenham elevada formação atualizada! É que, tantas vezes, trata-se de laborar em paradigmas completamente diferentes e incomensuráveis, em que o próprio diálogo é dificultado e a concertação impossível, sobretudo pelo peso da tradição conservadora e de um “fixed mindset”, que vai subtraindo tantos professores à clarividência e reflexão sobre a mudança necessária. Não é difícil perceber o quão nefasto é para as crianças e jovens – que necessitam de coerência educacional – esta disparidade de atuações, atitudes e valores e metodologias de ensino dos seus professores.

Como seria, num ambiente empresarial, exercer funções de elevada complexidade, numa equipa desta heterogeneidade negativa? (E numa equipa de futebol profissional?!) Para evitar a falência ou "descer de divisão", seria necessário elevar, imediatamente, a qualificação de todos!


Talvez não possamos, portanto, dizer, em boa verdade, que os professores não necessitam de formação contínua atualizada e de qualidade. Tudo indica que precisam e que tem que ser agora!

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