Exigente democracia


A política é a arte de convencer os outros de que temos as melhores soluções para os problemas comuns. A realidade a que a política pretende responder é complexa. Construir uma estrada para dinamizar a economia ou uma escola para aumentar a formação das pessoas? Liberalizar a economia, dando liberdade aos indivíduos, ou regular para evitar desigualdades? Minimizar os impostos, permitindo o progresso económico de alguns, ou cobrar mais para redistribuir, minimizando a marginalização dos excluídos? Proibir o aborto, a eutanásia ou deixar à livre decisão das pessoas? Mais liberdade ou mais igualdade? Mais autoridade ou mais liberdade? Mais ou menos Estado?...

Teoricamente, seria perfeitamente desejável que um sábio benevolente tomasse essas difíceis decisões por nós e nos deixasse viver sem tais preocupações. O carisma (ou a força) do chefe, quase sempre envolto da suposta legitimação divina, foi a solução durante séculos, com as sempre cruéis e iníquas opressões das massas. É, aliás, naquele sentido, que foi inaugurada, no final dos anos 40 do século passado, a cibernética (do grego kubernan, "governar"), com o intuito de construir uma máquina superinteligente e incorruptível, que pudesse tomar as decisões certas, sem se deixar corromper por interesses individuais ou de classe, como parece suceder com o ser humano. Nem um nem o outro parecem ser possíveis (a IA ainda vai a caminho...). Mas a tentação de muitos "esclarecidos" (elitismo) sempre foi a de pedir, quando não impôr, ao povo que lhes confiasse tamanha empresa.

Mas, já os gregos antigos, no famoso século de Péricles, tinham inventado uma outra solução: os cidadãos deverão discutir, na ágora (praça pública) os problemas da polis (cidade, comunidade) e tomar as respetivas decisões. Porém, nem todos eram, então, considerados cidadãos: as mulheres, os estrangeiros e os escravos ficavam de fora. O caminho para o reconhecimento dos direitos humanos de todos foi longo e ainda se faz.

A solução dos estados-nação modernos (salvo algumas exceções, como nos cantões suiços, que ainda hoje usam a democracia direta) foi a de enveredar pela democracia representativa: o povo elege os seus representantes para que estes depois, em assembleia, discutam e tomem as difíceis decisões.

Mas quem eleger? Em democracia (do grego, demos "povo" + cracia "poder"), a última palavra é sempre do povo. Mas a decisão de eleger este ou aquele candidato, com este ou aquele programa de governo, requer ou passividade emocional mais ou menos seguidista dos que se deixam facilmente seduzir (quase sempre por via fortemente emocional) ou alguma capacidade analítica e crítica para deliberar (através de razões). Se a democracia consistir apenas em alguns convencerem/persuadirem/seduzirem o povo a votar, então é a retórica, como arte da persuasão, que reinará. Mas os problemas são reais, não aparentes! E são de todos, não apenas de uns poucos!

A democracia só permanecerá viva se o povo estiver devidamente esclarecido para, através do voto, tomar decisões nos diversos atos eleitorais. (Os regimes ditatoriais vivem sempre da ignorância do povo.) A democracia só permanecerá viva se houver uma comunicação social forte e plural (na impossibilidade de ser isenta). A democracia só permanecerá viva se se proporcionarem as condições para que o povo faça mais do que simplesmente confiar naqueles que, supostamente, existem para tomar decisões fundamentais para a vida de todos - os políticos. A democracia só permanecerá viva se o povo puder, efetivamente, construir opiniões políticas fundamentadas e críticas.

A qualificação do povo para a democracia constrói-se pela educação: as artes e as letras, as ciências sociais e da natureza servem não só para formar as crianças, jovens e adultos como seres humanos, aumentando a sua consciência de mundo, e como futuros contribuidores para a economia, mas servem também para os formar para o exercício da cidadania - eu vivo nesta comunidade, que se rege por estes valores e exige de mim competências analíticas, de compreensão dos vários pontos de vista em jogo, dos vários problemas complexos (e não simples, como a retórica interessada quase sempre os apresenta) e que espera, em última análise, o meu contributo para uma sociedade ainda melhor.

Em suma: sem uma aposta séria na educação (e, em particular, uma educação para a cidadania) a democracia (mesmo a representativa) transformar-se-á rapidamente (com as atuais grandes aliadas redes sociais, húmus da velocidade, da facilidade, das emoções...) no reino da pura super-retórica, portanto do super-embuste, da super-ilusão, da alienação total (como uma certa política sempre tentou ser?). A política democrática é a arte do debate plural para tentar responder pragmaticamente à questão existencial - qual a organização mais justa da sociedade? A resposta exige conhecimento, sabedoria, argumentação, debate, espírito democrático - apenas juntos, bem (in)formados, respeitando o pluralismo das perspetivas, nos aproximaremos das melhores soluções para todos.

Comentários

Mensagens populares