Proibir telemóveis nas aulas?! Não – ensinar a usá-los!
O
Ministério da Educação francês vai proibir o uso de telemóveis nas escolas. Até
pode ser necessário em algumas escolas, em algumas turmas, em algumas
situações, como muitas vezes efetivamente é. Mas cada contexto é um contexto,
com as suas particularidades próprias e mesmo dentro de cada escola há
diferenças de turma para turma. Já lá vai o tempo em que Charles De Gaulle
chegava a uma escola em Paris e dizia, com orgulho, que nesse momento, em todas
as escolas da França, as crianças se encontravam a ler aquela página, daquele
mesmo manual e a responder àquelas mesmas perguntas do professor! Sabemos hoje
que esta homogeneização é artificiosa e nefasta para a aprendizagem.
A lei portuguesa também já o proibe. Neste
momento, nas (doze) escolas portuguesas e com os alunos que conheço, talvez
seja desnecessário. Não é esse o motivo dos baixos resultados de aprendizagem,
não é esse o único e absoluto motivo das distrações. E a importante questão que
o ministro francês pretende resolver – fazer com que as crianças passem menos
tempo com o telemóvel e brinquem com outras coisas –, apesar de um problema
sério e preocupante, pode não ser razão suficientemente forte para fazer face
aos prejuízos da medida.
Proibir
o uso de telemóveis, sobretudo a partir de certa idade, será um forte motivo de
conflito, que considero desnecessário e incoerente.
Desnecessário,
porque tanto se chama a atenção, com serenidade e racionalização, sem perder a
assertividade, para o aluno não estar distraído com o telemóvel, como se chama
a atenção para não estar a conversar com o colega ou alheado a olhar pela
janela.
Incoerente,
porque os adultos são os primeiros a não dar o exemplo. Teríamos que proibir o
uso de telemóveis em reuniões de professores, em palestras, em conferências…
sempre que o discurso está aborrecido! E o que fazer quando um professor fosse
“apanhado” a consultar uma rede social em plena reunião? (Bem, se fosse a
página do Financial Times, já podia ser?!) E um congressista a assistir a uma
palestra? Seria admoestado com uma reprimenda, aplicada uma pena de multa,
despedido?! A coerência é um princípio pedagógico fundamental, tantas vezes
esquecido, já que sabemos que as crianças aprendem por observação e imitação de
modelos, que começam por ser os pais e os professores. A proibição é ainda uma
réstia de um tempo em que a autoridade se baseava no poder musculado do adulto
sobre o imberbe aprendiz…
O problema
é a atratividade da aula, da disponibilização do saber e não a quantidade de gadgets que as crianças (e os
adultos numa conferência) possam ter à sua disposição. Se uma criança se
distrai com o telemóvel durante a aula – para além do óbvio
esclarecimento assertivo de que, naquele momento, pode não ser o instrumento mais
adequado para aquela aprendizagem determinada –, há que tornar a aula menos monótona,
diversificar as estratégias, procurar interessar o aluno, tal como quando se
distrai a conversar com o colega. Já passei essa fase, como professor, de ficar
irado quando um aluno estava cabisbaixo com os dedos sobre as pernas, quando,
muitas vezes, afinal até estava apenas entretido com os dedos sobre as pernas...
Neste momento, não tenho qualquer necessidade de proibir o uso de telemóvel,
até porque incluo a sua utilização em certos momentos de aprendizagem e, quando
não é o caso (grande parte do tempo), é corrigida, serenamente, a sua
utilização irregular! O segredo é, pois, porque é assim que funciona o ser
humano, atrair a criança para outras brincadeiras no recreio – com equipamentos
criativos! – e atrair o aluno para formas de aprender o que precisa de
aprender, mas mais consonantes com as suas características e interesses.
E aqui entronca
a segunda grande razão para não proibir o uso de telemóveis: o conhecimento
está hoje disponível em linha e, em escolas com uma eficaz rede de internet sem
fios (com qualidade satisfatória, não conheço nenhuma em Portugal), o telemóvel
ou um tablet pode ser bastante útil para aceder a tal informação. Já não faz
sentido pensar que o aluno tem que estar sempre a ouvir o professor (por muito
que tenha, naturalmente, que o ouvir, como é óbvio!), como se fosse o único
detentor do conhecimento, como já aconteceu no passado. O papel do professor,
hoje – e já não de um futuro longínquo –, é entusiasmar o aluno pela
aprendizagem e pelo saber da área disciplinar que ensina, é orientar o aluno na
sua aprendizagem ativa, é proporcionar experiências estimulantes e desafiantes
para que o aluno desenvolva as suas competências... e aprenda realmente!
E é aqui
que o telemóvel pode servir duas finalidades: um gadget conatural ao jovem, que
poderá usá-lo com entusiasmo numa pesquisa, a colher fotografias no exterior da
escola sobre um determinado tema e, sobretudo, em programas de aprendizagem ou
avaliação on line, que mimetizam características dos jogos digitais, como o
desafio, a interatividade e competição com os colegas, ou como subidas de nível
de dificuldade – fenómeno hoje conhecido nas Ciências da Educação como
gamificação do ensino e da aprendizagem; depois, pode servir também para educar
o jovem, através da ação e uso real, para o uso comedido e mais completo dos
gadgets, que inclui o acesso a uma vasta base de informação, hoje
disponibilizada em linha, com o concomitante desenvolvimento de competências de
análise crítica dessas informação e apropriação em síntese pessoal.
Nos
contextos em que tenho trabalho, não faz sentido, à partida, proibir o uso de
telemóveis nas aulas! Faz sentido, isso sim, ensinar quando não usá-los e
quando usá-los, comedidamente e para variados fins, inclusive pedagógicos.
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