Para uma reabilitação, não romântica, mas neurocientífica dos sentimentos

«(…) Os sentimentos [são] expressões mentais da homeostasia e (…) essenciais para o governo da vida. (…) Devido à maquinaria dos afetos que a evolução desenvolveu em torno dos sentimentos, não é possível falar sobre pensamento, inteligência e criatividade sem ter em conta os sentimentos. Os sentimentos desempenham um papel importante nas nossas decisões e atravessam a nossa existência.
Os sentimentos podem incomodar-nos ou deliciar-nos, mas, se nos permitirmos, por um instante, pensar teleologicamente, não é para isso que eles servem. Os sentimentos servem para regular a vida, fornecedores de informações necessárias para a homeostasia individual ou social. Os sentimentos anunciam riscos, perigos e crises que têm que ser evitadas, no lado simpático da moeda, anunciam oportunidades. Dirigem-nos para comportamentos que vão melhorar a homeostasia geral, ao mesmo tempo que nos vão tornar seres humanos melhores, mais responsáveis pelo nosso futuro e pelo futuro dos outros.
Os acontecimentos que nos fazem sentir bem promovem estados homeostáticos benéficos. Quando amamos e nos sentimos amados, e quando alcançamos aquilo que pretendíamos consideramo-nos felizes e afortunados e, sem levantarmos um dedo, vários parâmetros da fisiologia geral orientam-se numa direção benéfica. Por exemplo, as nossas reações imunitárias tornam-se mais fortes. A relação entre sentimentos e homeostasia é tão estreita que funciona nos dois sentidos: os estados perturbados da regulação da vida que definem as doenças são sentidos como desagradáveis. Os sentimentos que correspondem à representação de um corpo alterado pela doença são desagradáveis.
Também é claro que os sentimentos desagradáveis induzidos por acontecimentos externos, e não, primariamente, por alterações da homeostasia, perturbam a homeostasia. A tristeza contínua motivada por perdas pessoais, por exemplo, tem diversas maneiras de perturbar a saúde, reduzindo as respostas imunitárias e diminuindo a capacidade de alerta que nos pode proteger dos mais diversos riscos.
Tanto no lado bom como no lado mau da moeda do sentir, os sentimentos cumprem o seu papel de motivadores dos instrumentos e das práticas culturais.»

Damásio, A. (2017). A Estranha Ordem das Coisas. A vida, os sentimentos e as culturas humanas (pp. 195-197). Lisboa: Círculo de Leitores.

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