A educação dos cidadãos do mundo – o pensamento dos estóicos ainda hoje a ressoar!

«Os estóicos acentuam que, para que sejamos cidadãos do mundo, não é necessário que abdiquemos das identificações locais, na medida em que elas são, com muita frequência, uma fonte de grande riqueza. Aconselham-nos a não considerar que estamos desprovidos das nossas identificações locais, mas que, além disso, procuremos imaginar-nos como se estivéssemos cercados por uma série de círculos concêntricos: o primeiro à volta do eu, o segundo circundando a família mais próxima, o terceiro a família alargada e depois, numa ordem sucessiva, o dos vizinhos ou grupo local, o dos moradores na mesma cidade ou no mesmo meio rural – e, sem qualquer dificuldade, seremos capazes de acrescentar a esta lista grupos que se baseiam em identidades étnicas, linguísticas, históricas, profissionais ou de género. No exterior de todos esses círculos encontra-se situado o maior de todos eles, o da própria humanidade quando encarada como um todo. A nossa tarefa como cidadãos do mundo seria “em certa medida, a de atrair esses círculos para o centro” (filósofo estóico Hierocles, séc. I, II), de tal forma que todos os seres humanos fossem cada vez mais parecidos com os nossos vizinhos. Por outras palavras, não temos de prescindir dos nossos afetos ou valores identitários mais importantes, sejam eles de ordem étnica, religiosa ou de género. Nem temos de considerá-los superficiais e podemos pensar que a nossa identidade é, em parte, formada por eles. O sistema educativo não só pode como deve dedicar-lhes uma especial atenção. No entanto, devemos fazer um esforço no sentido de incluir todos os seres humanos na nossa comunidade de diálogo e de interesses e basear as nossas decisões políticas nesse princípio de inclusão, respeitando o círculo que define a nossa humanidade e dando-lhe uma particular atenção.
Em termos educativos isto equivale a dizer, por exemplo, que um estudante dos Estados Unidos [ou Portugal…] deve continuar a ver-se a si mesmo como alguém que é definido em função dos seus afetos particulares – da sua família, da sua comunidade ou comunidades religiosas e/ou étnica e/ou racial e até mesmo do seu país. Mas, deve também, e acima de tudo, não só aprender a reconhecer a humanidade onde quer que ela se encontre, mesmo quando os contornos que a definem lhe possam parecer estranhos, como sentir-se desejoso de poder decifrar os múltiplos disfarces de que podem estar revestidas as suas “estranhas” aparências. Deve aprender o suficiente acerca da diferença para poder reconhecer objetivos, ideais e valores comuns e saber o suficiente acerca desses objetivos para ser capaz de entender até que ponto eles são variados nas suas diferentes culturas e histórias. Os escritores estóicos sublinham que a missão educativa deveria ser particularmente imaginativa na sua conceção da diferença, o que evidentemente requereria o domínio de inúmeros dados sobre o conceito de diferente. Marco Aurélio dá a si mesmo o seguinte conselho, que poderia ser considerado como sustentáculo da educação cosmopolita: “Habitua-te a não estar desatento ao que outra pessoa diz e, tanto quanto consigas, entra na sua mente (VI.53). “Em geral”, conclui, “temos de aprender muitas coisas antes de podermos julgar com compreensão a ação de outro”.
Nussbaum, M. C. (2014). Educação e Justiça Social (pp. 14-15). Mangualde: Edições Pedago.

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