Uma filosofia para a Europa


«(…) Nada é mais atual do que uma filosofia para a Europa. Nunca como hoje a realidade que o nome de “União Europeia” corre o risco de se separar, sem que as oposições que a atravessam consigam consolidar-se numa relação significativa. Ao invés de se relacionarem com as suas diferenças, as partes mostram-se dispersas numa multiplicidade estanque que não tem sequer a força constituinte do conflito. A separação não diz apenas respeito aos seus países, mas a algo de mais profundo que tem a ver com a própria motivação para estarem juntos. É como se a realidade da Europa se separasse drasticamente da sua razão, ficando esmagada sob o mero dado geográfico. Quando tudo, na nova configuração que o mundo vai assumindo, convida à constituição de uma polarização europeia forte, a Europa surge privada não apenas de um corpo reconhecível, como também de uma alma. (…) Se, por um lado, a unificação económica está comprometida nos seus fundamentos pela insustentável disparidade de recurso dos seus países, por outro, a ausência de integração politica deixa a Europa indefesa perante o ataque mortífero dos seus inimigos.

É precisamente nesta situação de crise que se abre um espaço inédito para a reflexão filosófica. Não porque a reflexão filosófica tenha, de reserva, soluções prontas para problemas altamente complexos, mas porque nos momentos de mudança drástica de cenário a filosofia pode e deve encontrar-se numa posição de vantagem comparativamente com outras linguagens, no reconhecimento antecipado da direção que os acontecimentos tomam. Ao contrário de se posicionar no crepúsculo das épocas históricas, a filosofia pode, em certos casos, iluminar-lhes os contornos antes mesmo que elas se estabilizem numa figura compacta. Naturalmente cada momento da crise pode ser lido pelas ciências sociais, económicas e políticas. Mas só a filosofia é capaz de os captar no seu conjunto quando se encontra em curso uma transformação de todas as coordenadas como a que experimentamos nos nossos dias. Sempre que um caminho parece obstruído, a filosofia tem poder criativo que, amiúde, falta a outros saberes mais virados para o passado, como a história, ou menos profundos, como a política. Deste modo, quando já não é suficiente pensar a Europa em termos económicos e parece veleidade pressupor uma ordem política, pode acontecer que o único caminho aberto seja aquele que o pensamento vai escavar.»

Esposito, R. (2018). De Fora. Uma filosofia para a Europa (pp. 7-8). Lisboa: Edições 70.

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