A proposta do Italian Thought de uma filosofia para a Europa


«Nenhuma das emergências que mobilizam o atual cenário europeu – o terrorismo transnacional, a migração em massa, os riscos ambientais e as opções macroeconómicas – pode resolver-se num plano meramente nacional, na ausência de decisões políticas comuns. A única configuração capaz de lidar com tais questões – sem fugir dos desafios da globalização, mas também sem se render às suas tendências de homologação – é multipolar, marcada pela presença simultânea de grandes espaços regionais. No seio do mundo globalizado, a Europa pode ser reconduzida ao papel de “potência civil” desde que atribua a este adjetivo a espessura semântica que teve numa tradição de pensamento que remete para Maquiavel e Vico. Nesta tradição, os termos civile e incivilimento, “civil” e “civilizador”, nunca tiveram a pretensão irrealista de negar a força, mas o propósito de a conter em limites do conflito político. Se é inevitável que o desafio terrorista deve unir os países europeus, todavia, não deve sufocar a dialética interna dos países entre diferentes visões de integração. Com o conceito de “civilização”, tanto Maquiavel como Vico afirmaram a predominância necessária dos interesses do “povo” relativamente aos interesses das classes dominantes. Sem pôr em discussão o horizonte comum dos seus valores fundadores, a nova Europa não poderá deixar de emergir do conflito, e mesmo do confronto, entre partes políticas diferentes. Regressamos, deste modo, à necessidade constitutiva das “oposições” evocada por Hegel. Trata-se de lhes restituir “a sua relação viva e a sua ação recíproca”. Como também Maquiavel afirmou, só do confronto político entre partes sociais pode nascer uma nova ordem. Para esta tensão remete também a questão, não resolvida, de um povo europeu, de momento ausente. É verdade que, na ausência deste, não se conseguem construir instituições legítimas. A Europa não será certamente produto de tratados fabricados nos gabinetes nem da simples cedência de soberania por parte dos seus Estados-membros. A Europa só pode nascer da vontade e das necessidades comuns de uma cidadania alargada a todos os seus habitantes de hoje e de amanhã. Esta não pode ser dada de uma vez por todas, como expressão única de um único povo europeu. A cidadania europeia não pode deixar de ser o resultado, de quando em vez mutável, de um confronto entre os dois “povos”, desiguais nos recursos e nas oportunidades de sobrevivência, que atravessam transversalmente todos os países da União, misturando-se com os povos que vêm do seu exterior. Se o primeiro povo, os seus interesses e os seus estilos de vida já estão representados pelos vértices da finança global, o outro povo, cada vez mais em sofrimento, ainda não encontrou uma representação digna desse nome. Somente quando tal acontecer, quando ocorrer uma verdadeira aliança entre as classes populares que formam a grande maioria dos povos europeus, poderá a Europa encontrar a motivação profunda da sua união.»

Esposito, R. (2018). De Fora. Uma filosofia para a Europa (pp. 21-2). Lisboa: Edições 70.

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