Vamos cozer ao sol…! Ou como não deixar arrefecer o problema do aquecimento global
https://www.esquerda.net/artigo/greve-do-clima-na-suica/59160 |
«Apocalipse.
Espreitando além das reticências científicas. É pior, prometo, do que pensam.
Se a sua ansiedade sobre o aquecimento global é dominada pelo medo do aumento
do nível do mar, você está apenas a tocar a superfície do que virão a ser os
futuros horrores, mesmo durante a vida de um adolescente de hoje.» Ei-los:
dezenas de milhões de refugiados do clima, num mundo impreparado; o esgotamento
dos alimentos e a fome; pragas climáticas; um nevoeiro mortífero, que sufocará
milhões; guerra perpétua; colapso económico permanente; oceanos envenenados; um
calor de morte, com «um sol que nos cozinha»!
Estes são os
principais traços do macabro quadro projetado pelo jornalista David Wallace-Wells, ao publicar, em julho de 2017, com
honras de primeira página na New York Magazine, “The Uninhabitable Earth”, que obteve, ao contrário de outros artigos sobre alterações
climáticas, um êxito estrondoso. A questão que o levou a escrever o artigo,
este ano transformado em livro, foi esta: e se o efeito das alterações
climáticas vier a ser um bocadinho pior do que julgamos?
O resultado foi um texto
assustador, mas tão convincente, que conseguiu ultrapassar a atual relativa indiferença
face ao tema das alterações climáticas. Esta real indiferença deve-se ao
fenómeno sociológico da naturalização, através do qual um conjunto de situações sociais são tomadas,
por força da ação de um discurso ideológico de convencimento, como naturais,
como pertencendo à ordem natural das coisas, quando, na realidade, são
artificialmente criadas pelos seres humanos, podendo, portanto, ser alteradas.
A frequência de alertas sobre o aquecimento global e a concomitante reação
conservadora e neoliberal dos interesses económicos tem promovido uma inércia generalizada, inclusivamente naqueles que já são
apelidados "WEIRD" populations (Western,
Educated, Industrialized, Rich, and Democratic),
que vão permanecendo comodamente sentados no sofá da evolução tecnológica,
enquanto definham, quase acríticos, impotentes… e ainda com um sorriso nos
lábios!
Entretanto,
muitos cientistas têm argumentado que Wallace-Wells foi irresponsável ao apresentar
uma hipótese, um pouco menos provável, de ameaça ainda mais destrutiva do que aquela
que a humanidade enfrenta já hoje em dia. Os críticos salientam sobretudo o pessimismo
excessivo do texto e erros factuais. Além disso, fazer do medo provocado nos
interlocutores a base da argumentação, pode ser uma forma falaciosa de defender
uma tese... Assustar as pessoas sobre o aquecimento global será eficaz ou
contraproducente? Alarmismo ou persuasão desesperada, em busca de eficácia?
Numa
entrevista recente, o autor adverte: «não me parecia plausível que houvesse
mais risco em assustar as pessoas do que em não assustá-las o suficiente... O
meu sentimento era, e é, o de que, se há uma probabilidade de um por cento de
termos desencadeado uma reação que poderá acabar com a raça humana, então isso
deve ser algo que o público deve conhecer e sobre o qual deve pensar.»
Wallace-Wells tem-se defendido reafirmando o que o jornalismo deve fazer –
dizer às pessoas coisas verdadeiras sobre o mundo em que habitam, mesmo que
sejam assustadoras.
Este
mensageiro da desgraça (mas não escamoteemos o facto de esta ser sobejamente conhecida
e amplamente anunciada!) faz assim renascer a importância das narrativas
(críticas) e o seu papel no despertar de consciências.
Fontes:
Wallace-Wells,
D. (2017). “The Uninhabitable Earth”, New York Magazine, in http://nymag.com/intelligencer/2017/07/climate-change-earth-too-hot-for-humans.html
Wallace-Wells,
D. (2019). The Uninhabitable Earth: Life After Warming. New York: Penguin Random House.
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