Europa e identidade… por vir - II
"Europa", consorte de Zeus |
«Nenhuma das emergências que mobilizam o atual
cenário europeu – o terrorismo transnacional, a migração em massa, os riscos
ambientais e as opções macroeconómicas – pode resolver-se num plano meramente
nacional, na ausência de políticas comuns. A única configuração capaz de lidar
com tais questões – sem fugir dos desafios da globalização, mas também sem se
render às suas tendências de homologação – é multipolar, marcada pela presença
simultânea de grandes espaços regionais. No seio do mundo globalizado, a Europa
pode ser reconduzida ao papel de “potência civil” desde que atribua a este
adjetivo a espessura semântica que teve numa tradição de pensamento que remete
para Maquiavel e Vico. Nesta tradição, os termos civile e encivilimento,
“civil” e “civilizador”, nunca tiveram a pretensão irrealista de negar a força,
mas o propósito de a conter nos limites do conflito político.se é indubitável que
o desafio terrorista deve unir os países europeus, todavia, não deve sufocar a
dialética interna dos próprios países entre diferentes visões da integração.
Com o conceito de “civilização”, tanto Maquiavel como Vico afirmaram a
predominância necessária dos interesses do “povo” relativamente aos interesses
das classes dominantes. Sem pôr em discussão o horizonte comum dos seus valores
fundadores, a nova Europa não poderá deixar de emergir do conflito, e mesmo do
confronto, entre partes políticas diferentes. Regressamos, deste modo, à
necessidade constitutiva das “oposições” evocada por Hegel. Trata-se de lhes
restituir “a sua relação viva e a sua ação recíproca”. Como também Maquiavel
afirmou, só do confronto político entre partes sociais pode nascer uma nova
ordem. Para esta tensão remete também a questão, não resolvida, de um povo
europeu, de momento ausente. É verdade que, na ausência deste, não se conseguem
construir instituições legítimas. A Europa não será certamente produto de
tratados fabricados nos gabinetes nem da simples cedência de soberania por
parte dos seus Estados-membros. A Europa só pode nascer da vontade e das
necessidades comuns de uma cidadania alargada a todos os seus habitantes de
hoje e de amanhã. Esta não pode ser dada de uma vez por todas, como expressão
única de um único povo europeu. A cidadania europeia não pode deixar de ser o
resultado, de quando em vez mutável, de um confronto entre os dois “povos”,
desiguais nos recursos e nas oportunidades de sobrevivência, que atravessam transversalmente
todos os países da União, misturando-se com os povos que vêm do seu exterior.
Se o primeiro povo, os seus interesses e os seus estilos de vida, já estão
representados pelos critérios da finança global, o outro povo, cada vez mais em
sofrimento, ainda não encontrou uma representação digna desse nome. Somente
quando tal acontecer, quando ocorrer uma verdadeira aliança entre as classes
populares que formam a grande maioria dos povos europeus, poderá a Europa
encontrar a motivação profunda da sua união.»
Esposito, R. (2018). De Fora. Uma filosofia para a Europa (pp. 21-2). Lisboa: Edições
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