A escola como reprodutora das desigualdades sociais


(À venda em https://www.nea-edicoes.com/# ou https://www.amazon.com/Gest%C3%A3o-diferenciada-multicultural-curr%C3%ADculo-multidiverso/dp/620217224X)

«Na década de 70 do séc. XX, fruto das grandes agitações e transformações sociais que vinham dos anos 60, surgem um conjunto de teorias, apelidadas de críticas, que propõem uma abordagem sociológica do currículo (Santomé, 1995; Silva, 2009). Enquanto as teorias tradicionais tomam como inquestionável o status quo e concentram-se nas formas de organização e elaboração do currículo, as teorias críticas começam justamente por colocar em questão os pressupostos que subjazem aos arranjos sociais e educacionais: «o importante não é desenvolver técnicas de como fazer o currículo, mas desenvolver conceitos que nos permitam compreender o que o currículo faz» (Silva, 2009, p. 30).
Assim, numa teorização mais genérica sobre o papel da ideologia na vida social, Louis Althusser (1976; cit. in Silva, ibid., pp. 31-32; Santomé, ibid., pp. 58-62) faz uma relação entre ideologia e educação escolar, lançando, deste modo, as bases para as futuras críticas marxistas da educação, designadamente impulsionando as chamadas teorias da reprodução. A sociedade capitalista apenas se manteria através de um processo de reprodução, por um lado, das suas componentes económicas (força de trabalho e meios de produção) e, por outro, da reprodução das suas componentes ideológicas. A escola, mesmo que aparentemente se assuma como neutra, é perspetivada nesta crítica radical como um dos aparelhos ideológicos do estado (a par da religião, da família e dos media), que garante a propagação da ideologia[1] dominante através do seu currículo, quer diretamente, por via das matérias que mais facilmente possam veicular crenças explícitas sobre a desejabilidade das estruturas sociais existentes (como o conjunto das Ciências Sociais), quer indiretamente, através de disciplinas como Ciências ou Matemática. Para Louis Althusser, a ideologia atua, através da escola, de uma forma discriminatória e seletiva, empurrando as pessoas das classes subordinadas para a submissão e a obediência e continuando a proporcionar às pessoas das classes dominantes a aprendizagem do comando e do controlo, acabando por excluir da escola as crianças das classes mais desfavorecidas antes de estas chegarem aos níveis onde são aprendidos os conhecimentos e competências próprios das classes dominantes.
Samuel Bowles e Herbert Gintis (1976; cit. in Silva, 2009, pp. 32-33; Santomé, 1995, pp. 62-77) dão mais um passo nesta perspetiva de análise da escola como reprodução social, propondo a teoria da correspondência: o sistema educativo, através das suas relações sociais, é uma réplica do sistema económico de matriz capitalista e das suas relações sociais de produção, constituindo a escola a principal estratégia socializadora utilizada pelas sociedades capitalistas para reproduzir o modelo económico-social vigente, acentuando as desigualdades.
Uma das teorizações centrais desta perspetiva sociológica do currículo é a teoria da reprodução cultural de Pierre Bourdieu (Bourdieu & Passeron, 1970; cit. in Silva, ibid., pp. 33-36; Santomé, ibid., pp. 90-99), que, embora se afastando da análise marxista, continua a centrar-se no conceito de reprodução para perspetivar a escola como sistema de reprodução cultural: há uma primeira aculturação efetuada na família, que se ergue como a principal condicionante das possibilidades futuras de apropriação de “capital de cultura”, que irá ser oferecido pela instituição escolar.»
Portugal, M. (2018). Gestão Diferenciada e Multicultural do Currículo. Conceções e práticas em contexto multidiverso (pp. 12-14). Beau Bassin: Novas Edições Acadêmicas.



[1] Ideologia é entendida, neste contexto de análise marxista, como o conjunto de crenças que conduzem à aceitação das estruturas sociais existentes como boas e desejáveis (Silva, ibid., p. 31).

Comentários

Mensagens populares