De que se fala quando se fala de eutanásia?


Quando se fala de tema tão delicado e complexo, a primeira coisa a fazer é definir claramente os conceitos envolvidos.
A “eutanásia” (“morte compassiva” ou “morte por misericórdia”) é o ato de matar ou deixar morrer em prol do bem daquele que é morto ou que morre. Maioritariamente praticada em hospitais, é utilizada em pacientes terminais a sofrer de fortes dores, mas também se matam ou deixam morrer recém-nascidos com doenças muito severas e pessoas em estado vegetativo persistente.
No que toca ao matar ou deixar morrer, podemos falar de dois tipos de eutanásia: ativa e passiva. A eutanásia ativa ocorre quando se toma uma atitude positiva para que a morte ocorra (por exemplo, um médico que aplica uma injeção letal ao paciente). A eutanásia passiva ocorre quando se deixa o paciente morrer sem que se tome qualquer atitude positiva para matá-lo (por exemplo, o paciente recusa o tratamento).
Quanto à vontade do paciente em morrer, há eutanásia voluntária, eutanásia não voluntária e eutanásia involuntária. No caso da eutanásia voluntária, a pessoa é morta por expressão da sua própria vontade, quando faz um pedido explícito aos médicos que o matem ou deixem morrer e estes acedem ao pedido. Também se considera eutanásia voluntária os casos em que os indivíduos manifestam antecipadamente o desejo de serem mortos caso cheguem a um estado no qual é impossível fazer tal pedido.
Diferentemente, a eutanásia não voluntária consiste em matar ou deixar morrer um indivíduo que nunca foi autoconsciente e que, dessa forma, nunca pôde fazer qualquer juízo racional sobre a vontade de viver ou morrer. Além disso, também são não voluntários os casos em que se mata ou deixa morrer um indivíduo que já foi autoconsciente e capaz de deliberar sobre a vontade de viver ou morrer, mas que nunca expressou qualquer preferência quando competente para tal. Portanto, tanto um bebé que nasce sem cérebro e lhe é recusado tratamento vital, quanto a injeção letal a uma vítima de acidente automóvel em estado vegetativo persistente, da qual não se conhece qualquer desejo anterior sobre a vida ou a morte, são casos de eutanásia não voluntária.
A eutanásia involuntária consiste em matar ou deixar morrer um indivíduo mesmo que a vontade dele seja a de continuar a viver. Também recebem o nome de “eutanásia involuntária” os casos em que, sem consultá-lo antes, se mata ou deixa morrer um indivíduo que tem competência para deliberar racionalmente se quer viver ou morrer. Um paciente que manifestou o desejo de continuar vivo mas que é morto pela equipa médica sob o argumento de que as suas dores são, de acordo com os médicos, insuportáveis, é um caso de eutanásia involuntária. Tal como também esta será involuntária na ocasião em que um médico desejoso de matar o paciente, que julga estar a sofrer demasiado, lhe injeta uma solução letal sem o consultar antes.
Finalmente, há uma distinção importante entre homicídio e eutanásia involuntária: a eutanásia involuntária é um dos modos de matar ou deixar morrer em prol do bem daquele que morre (mesmo quando ativa, trata-se ainda de morte por misericórdia); mas isso não é verdadeiro num caso de homicídio, que é o ato de matar intencionalmente alguém por qualquer outra razão ou sem razão alguma, em qualquer caso sempre contra sua vontade.
Há seis combinações possíveis tendo em conta o caráter ativo ou passivo da eutanásia e a questão da vontade do paciente. Tanto pode haver eutanásia voluntária ativa como passiva, embora o desejo dos pacientes seja morrer o mais depressa possível, pelo que a preferência é pelo modo ativo. Também pode haver eutanásia não voluntária ativa e passiva, embora o mais comum sejam as eutanásias não voluntárias passivas. Os casos da eutanásia involuntária não são tão comuns, devido ao facto de serem bem mais difíceis de justificar, mas pode-se matar ou deixar alguém morrer contra a sua vontade ou sem o consultar.
O problema essencial da eutanásia é um problema ético: haverá boas razões para considerar eticamente permissível matar ou deixar morrer seres humanos nas situações anteriormente descritas ou, pelo contrário, as boas razões de que dispomos são no sentido de tornar impermissível tal ato? O problema político – que, embora relacionado, não está dependente do problema ético – consiste em decidir se é justo o estado impedir, criminalizando, a eutanásia, sobretudo a eutanásia voluntária ativa, em circunstâncias de evidente sofrimento do paciente, ou se, pelo contrário, será justo o estado atribuir e defender o direito de cada cidadão a tomar a decisão de abreviar a sua vida em tais circunstâncias, descriminalizando assim a eutanásia.

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