Consciência, cooperação e linguagem

https://exame.abril.com.br/negocios/cooperacao-e-a-chave-para-tornar-uma-empresa-mais-simples/

«A partir do big bang desenvolveram-se partículas e, a partir destas, sistemas; e alguns dos sistemas eram à base de carbono, com  moléculas grandes que incluíam muito hidrogénio, nitrogénio e oxigénio. E depois, uma coisa extraordinária ocorreu - a vida. (...) não sabemos quando e como a vida começou, mas sabemos que de facto começou, e sabemos que consiste em processos puramente naturais. Não temos de postular qualquer coisa sobrenatural para explicar a vida. Era comum haver um  grande debate entre os vitalistas e os mecanicistas. Os vitalistas diziam que, para haver vida, não pode haver apenas processos biológicos. Temos de ter um élan vital. Temos de ter uma força da vida. Já não acreditamos nisso. Agora sabemos que a vida começou por processos puramente químicos. E, então, da vida obtém-se a vida animal, e uma vez obtida a vida animal, obtém-se a consciência. E se se obtém a consciência, obtém-se a intencionalidade, e (...) depois obtém-se a intencionalidade coletiva. Uma coisa peculiar ocorreu com o desenvolvimento da consciência e da intencionalidade entre os humanos - o desenvolvimento da linguagem. (...)

Um dos segredos para fazer boa filosofia é permitir-se ficar espantado com aquilo que qualquer pessoa sensata toma como garantidamente óbvio. E eu gostaria de dizer que devemos ficar espantados por haver animais a correr de um lado para o outro na superfície da Terra e depois alguns começaram a falar entre si. (...) Os seres humanos desenvolveram o significado do locutor e depois encontraram  modos de tornar isso na convenção do significado das palavras e das frases.

Mas outra coisa surpreendente ocorreu na evolução dos seres humanos ainda antes de terem linguagem. Aprenderam a cooperar. Desenvolveram a intencionalidade coletiva. E isto revelou-se crucial para a sobrevivência, dado que pela intencionalidade coletiva, pela cooperação, os seres humanos conseguem fazer coisas que não conseguem fazer sozinhos.  Os caçadores nas comunidades de caçadores-recoletores  conseguem matar animais que são mais fortes e rápidos do que qualquer um deles, mas fazem isto por via da cooperação. Um facto incrível de algumas comunidades de caçadores-recoletores é conseguirem matar um corço limitando-se a fazê-lo correr até ficar exausto. Poderíamos pensar que os homens ficariam exaustos mais depressa. Não, os homens são muito inteligentes  e preservam a energia cooperando entre si.»

Searle, J. R. (2019). Da Realidade Física à Realidade Humana (pp. 207-208). Lisboa: Gradiva

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