Fundamentos históricos das técnicas de dominação da raça
«Num
passado não muito longínquo, a raça era, senão a mãe da lei, pelo menos a
língua franca da guerra social. Ela era a unidade de medida da indiferença e da
inimizade, o critério determinante da luta pela vida, o princípio de
eliminação, de segregação ou de purificação da sociedade. A “modernidade” é, na
realidade, outro nome para o projeto de expansão sem limites que se desenvolve
a partir dos últimos anos do século XVIII. (…) No século XIX triunfa o
imperialismo. Nesta época, graças ao desenvolvimento da técnica, às conquitas
militares, ao comércio e à propagação da fé cristã, a Europa exerce sobre os outros
povos pelo mundo fora uma autoridade totalmente despótica – uma espécie de
poder que apenas se exerce para lá das suas fronteiras e sobre pessoas com as
quais se julga nada haver em comum.
(…) O nosso
mundo continua a ser, mesmo que ele não queira admiti-lo, em vários aspetos, um
“mundo de raças”. O significante racial é ainda, em larga medida, a linguagem
incontornável, mesmo que por vezes negada, da narrativa de si e do mundo, da
relação com o Outro, com a memória e o poder. Permanecerá inacabada a crítica
da modernidade, enquanto não compreendermos que o seu advento coincide com o
surgimento do princípio de raça e com
a lenta transformação deste princípio em paradigma principal, ontem como hoje,
para as técnicas de dominação. Para se reproduzir, o princípio de raça
dependerá de um conjunto de práticas cujo alvo imediato, direto, é o corpo do
outro, assim como o campo de aplicação é a vida na sua generalidade.»
Mbembe, A.
(2017). Crítica da Razão Negra (pp.
101-2). 2ª ed. Lisboa: Antígona.
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