A Paixão de Ser Professor: as manifestações do amor


Há várias razões e sentimentos para viver com paixão a profissão de professor. Desde logo, a extática sensação – será ilusão? – de fazer ser. Tudo quanto somos e sabemos, ali, diante daqueles já milhares de jovens, parece contribuir para gerar melhores e maiores seres humanos. E isso é bom. O étimo latino educare, enquanto “alimentar”, aponta justamente para um dar, uma dádiva imensamente importante, por vezes mesmo decisiva, que liberta a criança e o jovem da mediocridade, da superficialidade dos saberes, do dogmatismo telúrico, da agressividade animalesca. Livre para quê? Para a edificação de um ser humano, de um novo ser humano, em busca do sentido. Os conhecimentos científicos então produzidos na área da educação transformaram esta “refeição”, num “self-service” assistido. O professor não dá mais alimento, mas assiste, apoiando, a procura do alimento e a alimentação. O professor é um guia ao lado do aluno e não o mestre no palco. O étimo grego paidagogos sugere mesmo este “levar a criança à escola”, à aprendizagem. A profissão de professor torna-se ainda mais apaixonante quando o professor se transmuta de mestre em guia.

A paixão de ser professor acontece, sobretudo, quando se consegue fazer ser aqueles que têm um percurso de vida árduo, socialmente deficitário, pobre de alma e corpo, os descamisados da escola. Estes são os que mais necessitam do forte apoio do professor, de um professor empático, humano, dialogante, tolerante, orientador, inspirador.

Os novos desafios constantes daquele que é um eterno estudante fazem do múnus de ensinar e fazer aprender um conjunto de ações multifacetadas, plurais, nos antípodas do tédio. A complexidade da ação profissional é também um fator apaixonante.

As emoções são fortes quando se é professor. O aluno que não quer aprender e é preciso trazer à aprendizagem. O aluno que lhe custa aprender e precisa de apoio. O aluno que aprende de maneira diferente e é necessário identificar e municiar o seu estilo de aprendizagem. O aluno que não tem as melhores – por vezes as mínimas – condições sociais para aprender e… sentimo-nos tantas vezes impotentes! E clamamos por um sistema integrado de educação e apoio à parentalidade, que comece desde o 27 nascimento, com um apoio constante, multidisciplinar, àqueles mais desfavorecidos relativamente ao desenvolvimento psicossocial e emocional consonante com uma construção inteira de ser humano. Mais uma vez, os descamisados da escola. É necessária intervenção social precoce, de apoio às famílias, para que a escola proporcione mais mobilidade social e seja menos reprodutora de desigualdades.

As emoções são fortes quando se procura incluir todos e cada um, independentemente das suas características físicas, psíquicas, sociais e culturais. Mas as razões também sobram. Porque ser professor é ser um edificador de humanidade, na sua complexidade, na sua diversidade e, para tal, há que estar na posse do ideário histórico-filosófico que fundamenta esse espírito de inclusão e paixão pelo outro e fazê-lo passar às gerações vindouras.

Ser professor é apaixonante, pois ser professor é ensinar a viver em conjunto. Todas as experiências planeadas, circunstâncias vividas em sala de aula e no recreio, a interação com os jovens, permitem sistemática ou espontaneamente ensinar a ser melhor concidadão, na complexidade que urde a urbe dos nossos dias.

Esta paixão de ser professor é sustentada por razões inegavelmente cogentes, que tornam a profissão uma das mais fundamentais para a humanidade. Formar pessoas. Para a economia. Para a sociedade. Para a história. Para a política. Para a arte. Para ser e estar com outros. (Numa altura em que o envelhecimento da classe docente e a falta de atratividade generalizada para o acesso a formação superior para a docência põem em causa o futuro de um ensino de qualidade na próxima década em Portugal, há que lutar seriamente contra este status quo. Melhorar as condições de trabalho dos professores e convencer a sociedade – os pais e os jovens – da nobreza da profissão de professor!)

«Re-nascido, ele conhece, ele tem piedade. Finalmente, pode ensinar» (Michel Serres). Ninguém será jamais professor, se não amar o outro, se não amar o saber e o fazer aprender – se não amar a humanidade.

Miguel Portugal

Originalmente publicado em:

José Matias Alves (Org.) (2021). A Paixão de ser Professor nos Tempos Caóticos (26-27). Faculdade de Educação e Psicologia. Universidade Católica-Porto. E-book in: https://www.porto.ucp.pt/sites/default/files/files/FEP/SAME/E_book_Nov21.pdf

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