O revisionismo histórico (necessário, mas fundamentado) não é negacionismo (a combater)


«A controvérsia da negação do Holocausto levanta a importante questão da distinção entre
negação e revisão. Trazer à luz a perspetiva dos aborígenes australianos e dos nativos americanos são exemplos de revisão, uma retificação essencial das explicações unilaterais e triunfalistas da “história dos vencedores”, que distorceram a compreensão do passado, muitas vezes deliberadamente. Outro exemplo é a “nova história da conquista da América Central e do Sul” (…)

O mesmo se aplica ao colonialismo em geral. Um grande incentivo para revelar verdades por todo o lado suprimidas acerca do passado foi a indignação que se seguiu à morte de George Floyd às mãos da polícia, em Mineápolis, em maio de 2020. Este incidente trágico não era nada de novo num Estados Unidos onde o racismo e a injustiça racial são endémicos e muitíssimas pessoas sofreram como George Floyd; mas o incidente ocorreu completamente à luz da transmissão social rápida das redes sociais de notícias e imagens, um fenómeno relativamente novo, e a onda de choque que se espalhou pelo mundo inspirou uma determinação entre muitas pessoas para por em causa o silêncio ou a distorção que contribui para a perpetuação de problemas das comunidades historicamente em desvantagem – sendo os afro-americanos um dos exemplos principais. No Reino Unido, uma reação foi por em causa uma perspetiva complacente do passado, na qual as estátuas de traficantes de escravos se encontravam em espaços públicos de cidades como Bristol, que beneficiou imenso da escravatura nas plantações das Índias Ocidentais, e do próprio comércio de escravos. Seria um choque salutar para muitas pessoas descobrir que os seus antepassados não muito distantes eram pagos o equivalente a milhões de dólares para dar alforria aos seus escravos, ao mesmo tempo que os próprios escravos nada recebiam. Contudo, mais significativo é o efeito educativo de compreender o legado do racismo e desvantagem deixado pela história que as narrativas dos vencedores, até então com muito sucesso, branqueou (um termo com mais de uma ressonância apropriada).

(…) os historiadores reveem a história, mas (…) a revisão “não diz respeito à realidade desses acontecimentos; ao invés diz respeito à sua interpretação histórica – as suas causas e consequências, em geral». Uma visão mais completa incluirá a recuperação de vozes e perspetivas perdidas, a avaliação de interpretações oferecidas e das escolhas de ênfase e de lacunas. Quem nega acontecimentos, por outro lado, pode não só suprimir material como, além disso, distorcê-lo ativamente, falsificá-lo, incorporar falsidades e rejeições explícitas da ocorrência de certos acontecimentos.

(…) A negação de acontecimentos é o que por vezes tem sido designado “negacionismo”; a revisão é o esforço para persuadir a favor de uma reinterpretação.

(…) Estabelecer os factos, e uma maneira de compreender as suas causas, significados e consequências, é o cerne do trabalho académico da história; rever a nossa compreensão de um tópico histórico por meio de novas provas ou argumentos é a substância do debate histórico.»

Grayling A. C. (2021). As Fronteiras do Conhecimento. O que sabemos hoje sobre ciência, historia e a mente (pp. 232, 233, 234, 236). Lisboa: Edições 70.

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