A tóxica tirania do mérito e a alternativa da igualdade de condições


«Aqueles que são admitidos com base em brilhantes credenciais legítimas orgulham-se do seu desempenho e consideram que entraram [na universidade] com base no seu mérito. Mas, de certa forma, isto é enganador. Embora seja verdade que o seu ingresso na universidade reflete dedicação e trabalho árduo, não se pode realmente dizer que tudo isto foi obra deles. E quanto aos pais e professores que os ajudaram ao longo do seu percurso? E quanto aos talentos e dons que não se desenvolveram completamente por si próprios? E quanto à feliz circunstância de viverem numa sociedade onde os seus talentos são cultivados e recompensados?

Aqueles que, por via do esforço e do talento, triunfam numa meritocracia competitiva de certa forma acumulam uma dívida que é obscurecida pela própria competitividade. À medida que a meritocracia se intensifica, ficamos tão consumidos pela nossas aspirações que perdemos de vista esta dívida de gratidão. [Esta meritocracia] causa uma impressão errada: que triunfamos graças aos nossos esforços. Os anos de labuta e esforço que são exigidos aos candidatos às universidades de elite quase os forçam a acreditar que o seu êxito é obra sua e que, se não conseguirem entrar, só podem culpar-se a si próprios.

Para os jovens, isto é um fardo pesado. E tem também um efeito corrosivo sobre as sensibilidades cívicas. Porque quanto mais consideramos que triunfamos por conta própria e que somos autossuficientes, mais difícil se torna aprender o que é a gratidão e a humildade. E, sem estes sentimentos, é praticamente impossível preocuparmo-nos com o bem comum.

(...)

A tirania do mérito (...) é constituída por um conjunto de atitudes e circunstâncias que, no seu todo, tornaram a meritocracia tóxica. Em primeiro lugar, em condições de desigualdade desenfreada e de mobilidade social estagnada, a repetição da mensagem de que somos responsáveis pelo nosso destino e que merecemos o que recebemos corrói a solidariedade e desmoraliza aqueles que foram deixados para trás pela globalização. Em segundo lugar, insistir que um diploma universitário é a principal via de um acesso a um emprego respeitável e a um avida decente cria um preconceito baseado em credenciais que mina a dignidade do trabalho e rebaixa aqueles que não frequentaram a universidade. Em terceiro lugar, insistir que a melhor forma de resolver os problemas da sociais e políticos consiste em recorrer a peritos altamente qualificados e imparciais é um conceito tecnocrático que corrompe a democracia e priva de poder os cidadãos comuns.

(...)

Mesmo uma sociedade mais bem-sucedida em termos de mobilidade ascendente do que a nossa também deve encontrar formas de permitir que aqueles que não ascendem possam prosperar na posição em que se encontram e sentir-se como membros de um projeto comum. O nosso fracasso em alcançá-lo torna a vida difícil para aqueles que não possuem as credenciais meritocráticas e fá-los duvidar da sua pertença à sociedade.

Assume-se frequentemente que a única alternativa à igualdade de oportunidades é uma estéril igualdade de resultados. Mas há outra alternativa: uma ampla igualdade de condições que permite a todos aqueles que não alcançam uma grande riqueza ou posições de prestígio levar uma vida decente e digna, desenvolvendo e exercendo as suas competências numa atividade que é socialmente valorizada, participando numa cultura de aprendizagem generalizada e deliberando como seus concidadãos sobre questões relevantes de interesse público.»

Sandel, M. (2021) A Tirania do Mérito. O que aconteceu ao bem comum (pp. 23-24, 88-89, 261)

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