Falta de professores e digitalização dos sistemas de ensino - atenção, é pura economia!


«(...) Os estudos disponíveis revelam, na melhor das hipóteses, a inépcia e, na pior, os danos pedagógicos das políticas de digitalização do sistema educativo. (...) Porquê semelhante desejo de digitalizar o sistema educativo, desde o jardim de infância até à universidade, quando os resultados são tão pouco convincentes?

(...) De facto, enquanto os primeiros estudos não tinham mostrado, de forma global, qualquer influência conclusiva [da digitalização do sistema educativo] no sucesso escolar dos alunos, os dados mais recentes, provenientes do programa PISA, mostraram um grande impacto negativo. Curiosamente, nada está a ser feito para parar ou travar o processo, bem pelo contrário. Só existe uma explicação racional para este absurdo e é de ordem económica: substituindo, de forma mais ou menos parcial, o humano pelo digital, é possível, a prazo, vislumbrar uma bela redução de custos no ensino. (...) Submetidos a um pesado processo de massificação escolar (e universitário), quase todos os países desenvolvidos têm dificuldade em pagar decentemente aos professores, o que acarreta, como consequência, uma grande penúria de recursos(*). Para sair deste impasse, torna-se difícil vislumbrar uma melhor solução do que a famosa "revolução digital". Efetivamente, esta última autoriza, de facto, o recrutamento de professores pouco qualificados, reduzidos ao simples papel de "mediadores" ou "realizadores" de um saber entregue por programas. O "professor" torna-se, assim, uma espécie de contador antropomórfico, cuja atividade se resume, na sua essência, a indicar diariamente aos alunos os programas digitais que devem seguir, assegurando-se que os nossos valentes digital natives ficam mais ou menos sentados em silêncio. É claro que é fácil continuar a chamar "professores", com poucas habilitações e mal pagos, a meros "contínuos 2.0" e, fazendo-o, reduzir os custos operacionais sem correr o risco de uma revolta parental (...). Claro que, por uma questão de prudência, podemos embrulhar tudo com uma bela e oca retórica, que evoca uma "aprendizagem mista" ou, melhor ainda, um processo de aprendizagem combinada

(*) Bourhan, S., "Alerte, onmanque de profs!", franceinter.fr, 2018. Adams, R., "Secondary teacher recruitment in England falls short of targets", thegaurdian.com, 2019. Yan, H., et al., "Desperate to fill teachers shortages, US schools are hiring teachers from overseas", cnn.com, 2019.

Desmurget, M. (2021). A Fábrica de Cretinos Digitais. Os perigos dos ecrãs para os nossos filhos (pp. 140-141). Lisboa: Contraponto.

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