Sensacional! A tentação do embuste no mau jornalismo


«Um estudo "científico", realizado há pouco tempo, originou um alvoroço mediático global: nele ficámos a saber, em contradição com as conclusões de centenas de estudos bem conduzidos, que o chocolate (gordura + açúcar) emagrecia. O jornal alemão Bild, com a maior tiragem da Europa, chegou a fazer capa da notícia! por detrás desse trabalho, encontramos o americano John Bohannon, com um doutoramento em Biologia Molecular, na altura correspondente da prestigiada revista Science. O seu objetivo era claro: levar a cabo um estudo absurdo mas suficientemente enganador para interessar os meios de comunicação social e demonstrar "quão fácil é fazer da má ciência grandes manchetes por detrás da moda da dieta". Bohannon não fez batota, limitou-se a usar alguns truques estatísticos bem conhecidos para ter a certeza de que encontraria algo onde nada havia. Inventou então uma filiação académica fictícia (The Institute of Diet and Health, "nada mais do que um website") e enviou o artigo para uma revista pseudocientífica disposta a publicar o que quer que seja mediante um cheque: The International Archives of Medicine. Assim que o artigo foi publicado, "chegara a altura de agitar as águas". Para tal, Bohannon pediu ajuda a um especialista em relações públicas com bons contactos na imprensa. O resultado foi brilhante. A história foi relatada em seis línguas, em mais de 20 países, frequentemente pelos principais meios de comunicação social nacionais, facto muito mais terrível porque tudo no estudo era pouco ortodoxo (a fonte, a conclusão iconoclasta, a filiação do autor, a sua falta de produção anterior no campo em questão, etc.) O estudo deveria ter sido tratado com a máxima desconfiança. Em vez disso, passou incólume e foi celebrado internacionalmente. A maior dos jornalistas contentou-se em "copiar" e "colar" o comunicado de imprensa escrito por Bohannon.

Conclusão: qualquer pseudoestudo, por mais disparatado que seja, pode encontrar o seu caminho para as primeiras páginas dos principais meios de comunicação social do mundo desde que seja suficientemente chamativo e digno de alarido.»

Desmurget, M. (2021). A Fábrica dos Cretinos Digitais. Os perigos dos ecrãs para os nossos filhos (pp. 111-112). Lisboa: Contraponto.

Comentários

Mensagens populares