O fluxo (êxtase) e a aprendizagem significativa


«Ser capaz de entrar em fluxo é inteligência emocional no seu melhor; o fluxo representa possivelmente o máximo em matéria de dominar as emoções ao serviço do desempenho e da aprendizagem. No fluxo as emoções não são apenas contidas e controladas; são positivadas, energizadas e alinhadas com a tarefa entre mãos. Ser apanhado na tristeza da depressão ou na agitação da ansiedade é ser-se banido do fluxo. Todavia, o fluxo (ou um mais ligeiro microfluxo) é uma experiência que quase toda a gente já teve numa ou noutra ocasião, particularmente quando consegue um desempenho ótimo ou ultrapassa os seus anteriores limites. talvez a melhor maneira de o descrever seja o êxtase de um ato de amor perfeito (...).

(...) É um estado em que as pessoas ficam absolutamente absortas naquilo que estão a fazer, dando à tarefa uma atenção indivisa, em que a consciência se funde completamente com as ações.

(...)

Se o fluxo é um pré-requisito para a excelência num ofício, profissão ou arte, também o é na aprendizagem. Os estudantes que experimentam o estado de fluxo enquanto estudam saem-se melhor que os outros, independentemente do seu potencial tal como é medido pelos testes de realização. Um grupo de estudantes de uma escola secundária especial para a área das ciências da zona de Chicago - todos eles com resultados que se situavam na zona dos 5 por cento superiores num teste de matemática - foram classificados pelos seus professores desta disciplina como altos ou baixos realizadores. Depois, controlou-se o modo como estes estudantes passavam o tempo (...). Sem surpresa para ninguém, os baixos realizadores passavam apenas quinze horas por semana a estudar em casa, muito menos que as vinte e sete horas semanais dedicadas aos trabalhos escolares pelos seus colegas altos realizadores. Os baixos realizadores passavam a maior parte do tempo em que não estavam a estudar a confraternizar com a família ou com os amigos.

Quando se analisou o estado de espírito destes estudantes, emergiu uma descoberta bem reveladora. Tanto os altos como os baixos realizadores passavam uma grande porção de tempo ao longo da semana a aborrecerem-se com atividades, como ver televisão, que não representavam qualquer desafio para as suas capacidades. Tal é, ao fim e ao cabo, a sina dos adolescentes. Mas a diferença-chave situava-se que a experiência que uns e outros tinham no estudo. No caso dos altos realizadores, estudar proporcionava-lhes o agradável e absorvente desafio do fluxo durante 40 por cento do tempo que passavam a fazê-lo. Mas para os baixos realizadores, o estudo só produzia fluxo durante 16 por cento do tempo; as mais das vezes, provocava ansiedade, por as exigências da tarefa excederem as suas capacidades. Os baixos realizadores experimentavam prazer e fluxo no convívio, não no estudo. Em resumo, os estudantes que realizam ao máximo ou que até ultrapassam o seu potencial académico são mais frequentemente atraídos pelo estudo porque este lhes faz entrar em estado de fluxo. Tristemente, os baixos realizadores, incapazes de aperfeiçoar as capacidades que os fazem entrar em fluxo, perdem o prazer de estudar e ao mesmo tempo correm o risco de limitar o nível das tarefas intelectuais de que poderão desfrutar no futuro.

Howard Gardner, o psicólogo de Harvard que desenvolveu a teoria das inteligências múltiplas, vê o fluxo, e os estados positivos que o tipificam, como parte da maneira mais saudável de ensinar as crianças, motivando-as a partir do interior e não através de ameaças ou de promessas de recompensa. "Deveríamos usar os estados positivos das crianças para atraí-las para a aprendizagem nos domínios em que podem desenvolver competências", declarou Gardner. "O fluxo é um estado interior que significa que a criança está envolvida numa tarefa que é a certa para ela. Todos temos de encontrar qualquer coisa de que gostemos e agarrarmo-nos a ela. É quando os miúdos estão aborrecidos na escola que se metem em lutas e arranjam problemas, e quando estão assoberbados por um desafio excessivo que se tornam ansiosos  a respeito do trabalho escolar. Aprendemos sempre melhor quando se trata de qualquer coisa que nos interessa e temos prazer em fazer."

A estratégia utilizada em muitas escolas que estão a por em prática o modelo das inteligências múltiplas de Gardner gira à volta de identificar o perfil de competências natural de cada criança e dar destaque aos pontos fortes sem deixar de tentar reforçar os mais fracos. Uma criança que seja naturalmente talentosa para a música ou para o movimento, por exemplo, entrará mais facilmente em fluxo nessas áreas que noutras onde se sinta menos à vontade. Conhecer o perfil da criança ajuda o professor a afinar a maneira como cada tópico lhe é apresentado e a proporcionar-lhe lições ao nível - desde o básico ao altamente desenvolvido - mais suscetível de oferecer-lhe um desafio ótimo. Fazer isto torna a aprendizagem agradável, e não um terror nem uma maçada. "A esperança é quando as crianças obtiverem fluxo com o aprender, se sintam tentadas a aceitar desafios em novas áreas", diz Gardner, acrescentando que a experiência parece sugerir ser efetivamente isso o que se passa.

De um modo mais geral, o modelo de fluxo sugere que chegar ao domínio de qualquer competência ou corpo de conhecimentos deveria igualmente acontecer de forma natural, à medida que a criança é atraída para áreas que espontaneamente a cativam - de que, em essência, ela gosta. Esta paixão inicial pode ser a semente para níveis mais elevados de realização, quando a criança compreende que perseverar nessa área - seja ela dança, matemática ou música - é uma fonte de alegria do fluxo. E uma vez que manter o fluxo exige expandir os limites das capacidades pessoais, isso passa a ser o principal motivador para se tornar cada vez melhor; faz a criança feliz. Este é, evidentemente, um modelo mais positivo de aprendizagem e ensino que aquele que a maior parte de nós encontrou na escola. Quem não recorda a escola, pelo menos em parte, como intermináveis horas de tédio pontuadas por momentos de alta ansiedade? Perseguir o fluxo através da aprendizagem é uma maneira muito mais humana, natural e provavelmente eficaz, de mobilizar as emoções ao serviço da educação.»

Goleman, D. (2022). A Inteligência Emocional (pp.104, 107-108) 30ª ed. Lisboa: Temas e Debates.

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