A (perigosa) política na era das redes sociais


«Hoje em dia, a irrupção da Internet e das redes sociais na política muda mais uma vez as regras do jogo e, paradoxalmente, ao mesmo tempo que se baseia em cálculos cada vez mais sofisticados, corre o risco de produzir efeitos cada vez mais imprevisíveis e irracionais. Interpretar esta transformação requer uma verdadeira mudança de paradigma. Um pouco como os sábios do século passado que foram obrigados a abandonar as certezas, confortáveis mas enganosas, da física newtoniana para começarem a explorar a mecânica quântica, inquietante mas capaz de descrever melhor a realidade, devemos doravante aceitar o fim das velhas lógicas políticas.

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De forma análoga, a política newtoniana estava adaptada a um mundo mais ou menos racional, controlável, no qual a uma ação correspondia uma reação e onde os eleitores poderiam ser considerados como átomos dotados de pertenças ideológicas, de classe ou de território, das quais derivam escolhas políticas definidas e constantes. De uma certa maneira, a democracia liberal é uma construção newtoniana, baseada na separação dos poderes e na ideia de que é possível, para os governantes e para os governados, tomar decisões racionais, baseadas numa realidade mais ou menos objetiva. Levada ao seu extremo, esta a abordagem que, após a queda do muro de Berlim, pôde levar Francis Fukuyama a proclamar o fim da História.

Com a política quântica, a realidade objetiva não existe. Cada coisa define-se, provisoriamente, em relação com uma outra coisa qualquer e, sobretudo, cada observador determina a sua própria realidade. No novo mundo, como disse o presidente da Google, Eric Schmidt, é cada vez mais raro aceder a conteúdos que não sejam talhados à medida. Os algoritmos da Apple, do Facebook e do próprio Google fazem com que cada um de nós receba as informações que lhe interessam. E se, como diz Zuckerberg, nós estamos mais interessados num esquilo agarrado à árvore diante de nós do que na fome em África, o algoritmo fará com que sejamos bombardeados com notícias sobre os roedores do bairro, eliminando assim qualquer referência àquilo que se passa do outro lado do mediterrâneo.

Por isso, na política quântica, a versão do mundo que cada um de nós vê é literalmente invisível aos olhos dos outros. O que afasta cada vez mais a possibilidade de um entendimento. De acordo com a sabedoria popular, para nos entendermos seria preciso "colocarmo-nos no lugar do outro", mas na realidade dos algoritmos esta operação torna-se impossível. Cada um de nós caminha na sua própria bolha, no interior da qual se fazem ouvir algumas vozes mas outras não, e alguns factos existem mas outros não. E não temos nenhuma possibilidade de sair dela e ainda menos de a trocar com outra pessoa. "Parecemos loucos uns aos outros", diz Jaron Lanier, e é bem verdade. Porque já não são as nossas opiniões sobre os factos que nos dividem, mas os próprios factos.

Empoli, G. da (2023). Os Engenheiros do Caos (pp. 169, 170-1). Lisboa: Gradiva.

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