Uma síntese sobre o conflito israelo-palestiniano

«Já em 1921, após os ataques árabes às colónias judaicas, David Ben-Gurion disse aos seus colegas sionistas: "este é um movimento nacional". No entanto, era um movimento que respondia ao sionismo, e o seu nacionalismo era insipiente - por vezes pan-árabe, e com menos frequência, penso, estritamente palestiniano. A sua liderança era mista; as figuras religiosas e as figuras notáveis tradicionais, os chefes das principais famílias, eram as pessoas mais proeminentes nas suas fileiras. Os militantes da libertação nacional, como Yasser Arafat, ainda não tinham aparecido. Depois da guerra da 1948, a Cisjordânia foi anexada pela Jordânia e a Faixa de Gaza pelo Egito. Havia pouco espaço para o nacionalismo palestiniano - os egípcios controlavam-no firmemente; os jordanos reprimiam-no. A Fatah de Arafat nasceu muito longe, no emirado do Kuwait.

Ironicamente, foi o triunfo de Israel em 1967 e a ocupação da Cisjordânia e da Faixa de Gaza que abriram caminho a um movimento independente de libertação nacional palestiniano em moldes seculares modernos. O modelo era a FLN [Frente de Libertação Nacional] argelina e o teórico favorito dos militantes da Fatah era Frantz Fanon.

[No início da década de 1970] a Cisjordânia e Gaza eram territórios ocupados. A colonização israelita dos territórios tinha começado, liderada por jovens fanáticos religiosos com ideias messiânicas. Arafat era ok líder reconhecido do movimento palestiniano e a Fatah era a principal força política. (...) os meus amigos israelitas, a quem eu chamaria nacionalistas liberais, (...) opunham-se à ocupação (...) dos territórios. Mas havia ideias diferentes sobre o modo de pôr fim á ocupação: retirada unilateral, criação de um Estado palestiniano a par de Israel através de conversações com os estados árabes - ou com Arafat e os seus militantes (que nessa altura estavam empenhados na destruição de Israel) - e a devolução da Cisjordânia à Jordânia.

A última destas soluções foi designada por solução jordana e foi muito discutida, embora tivesse poucos apoiantes. (...) o Estado unificado que produzia teria tido uma grande maioria palestiniana e ter-se-ia certamente transformado, com o tempo, num Estado palestiniano a par de Israel.

Nada disso estava escrito nas cartas.

Os meus amigos em Israel eram velhos veteranos de dois dos partidos de esquerda originais, o Mapai e o Mapam, que olhavam para além da euforia que tomou conta do país depois da guerra de 1967 e se opuseram a todos os projetos de colonatos. Alguns deles poderão ter apoiado a solução jordana, mas, na sua maioria, passaram a ser defensores do princípio de "dois Estados para dois povos". Essa era uma possibilidade real, agora que Israel e os palestinianos estavam frente a frente - embora durante anos nenhum dos líderes de cada um dos lados estivesse disposto a reconhecer o outro. (...) em 1993, em Oslo e Washington, a luta para acabar com a ocupação e criar um Estado palestiniano a par de Israel parecia, por breves instantes, ter sido ganha. Fui um dos convidados - como representante dos Americans for Peace Now, o grupo de apoio aqui nos Estados Unidos para os pacifistas de Israel - para estar no relvado da Casa Branca e ver os dois lados nas pessoas de Yitzhak Rabin e Arafat a darem um aperto de mão. Foi também uma época de euforia, mais sóbria, penso eu, do que em 1967, não de uma euforia messiânica, mas liberal. Estávamos felizes, entusiasmados - e preocupados.

Era um  momento para aproveitar, em que Rabin devia ter enfrentado o movimento dos colonos e Arafat devia ter enfrentado os defensores da resistência armada. Tinham de ganhar esses combates antes de ser possível uma verdadeira paz. Ambos escolheram o adiamento, Rabin por razões políticas e Arafat, suspeito, por razões ideológicas. E depois Rabin foi assassinado, os palestinianos lançaram uma campanha terrorista, Bibi Netanyahu ganhou as eleições de 1996 para primeiro-ministro de Israel e o momento perdeu-se.

Não vou relembrar todos os pormenores das tribulações dos anos seguintes. Em Israel, dois governos, de centro-esquerda e centrista, nenhum deles há muito no poder, produziram propostas para um Estado palestiniano que não satisfaziam as expectativas dos nacionalistas palestinianos e foram rejeitadas - erradamente, penso eu, se considerarmos o bem-estar dos palestinianos comuns (e israelitas). A retirada unilateral israelita da Faixa de gaza levou o Hamas ao poder, dividiu o movimento nacional palestiniano e conduziu a várias miniguerras inconclusivas. Os longos anos de governo de direita em Israel, as crueldades diárias da ocupação e a expansão constante dos colonatos judeus na Cisjordânia, com a ajuda e o incentivo de nacionalistas iliberais, tornaram cada vez mais difícil imaginar um Estado palestiniano ao lado de Israel.

Foram propostas outras soluções para o conflito, federações e confederações que talvez satisfizessem as necessidades básicas dos nacionalistas liberais de ambos os lados, oferecendo uma autodeterminação que não chegava à soberania plena. Mas será que há nacionalistas liberais suficientes em ambos os lados para sustentar acordos complexos como esses? A proposta mais apoiada pela extrema-esquerda negaria a autodeterminação a ambas as nações e criaria, em vez disso, um "Estado de todos os seus cidadãos" - não um Estado-nação de qualquer tipo, mas uma espécie de América no Médio Oriente. A grande dificuldade desta ideia reside na expressão "todos os seus cidadãos". Quem seriam esses cidadãos? Tanto os judeus como os palestinianos estão empenhados na doutrina do "regresso". Os judeus gostariam que o novo Estado proporcionasse, como faz hoje Israel, um refúgio para os judeus em dificuldades em toda a diáspora. Os palestinianos têm agora a sua própria diáspora e gostariam que o novo Estado estivesse aberto a todos os palestinianos da diáspora que quisessem regressar a casa. As duas nações teriam de negociar não só os direitos e obrigações constitucionais de cada uma, mas também, literalmente, a população do país.»

Walzer, M. (2023). A Luta por uma Política Decente. "Liberal" como adjetivo (pp.94-8). Lisboa: Gradiva.

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