O professor pode fazer a diferença


«Os nossos "maus alunos" (alunos considerados sem futuro) nunca vão sozinhos para a escola. O que entra na sala de aula é uma cebola: algumas camadas de tristeza, de medo, de inquietação, de rancor, de raiva, de desejos insatisfeitos, de renúncias furiosas, acumuladas sobre um fundo de passado humilhante, de presente ameaçador, de futuro condenado. Reparem, vejam-nos chegar, o corpo em transformação e a família dentro da mochila. A aula só poderá começar realmente depois de pousarem o fardo no chão e descascarem a cebola. É difícil de explicar, mas às vezes basta um olhar, uma palavra amiga, um comentário de adulto confiante, claro e estável, para dissolver essas mágoas, aliviar os espíritos, instalá-los num presente rigorosamente indicativo.

Como é natural, o bem-estar será provisório, a cebola voltará a formar-se à saída e será com certeza necessário recomeçar no dia seguinte. Mas ensinar é isso mesmo: é recomeçar até ao nosso necessário desaparecimento como professores. Se não conseguirmos instalar os nossos alunos no presente do indicativo da nossa aula, se o nosso saber e o gosto de o levar até eles não pegarem nesses rapazes e nessas raparigas, no sentido botânico do verbo, a sua existência descambará para as fendas pantanosas de uma carência indefinida. Não teremos sido nós com certeza os únicos a escavar essas galerias ou a não saber colmatá-las, mas esses homens e essas mulheres terão ainda assim passado um ou vários anos da sua juventude, ali, sentados à nossa frente. E já é muito, um ano de escolaridade perdido: é a eternidade numa redoma.»
Pennac, D. (2009). Mágoas da Escola (pp.60-1), Porto: Porto Editora.

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