"A vida numa economia algorítmica"


«A vida dos humanos biológicos num estádio multhusiano pós-transição [da inteligência para a superinteligência] não se parecerá forçosamente com nenhum dos estádios históricos da Humanidade (caçadores-coletores, agricultores ou empregados de escritório). Ao contrário, a maioria são rentistas desocupados que vivem com dificuldades das suas poupanças. São muito pobres, os parcos rendimentos de que usufruem vêm-lhes ou das poupanças ou de um ou outro subsídio estatal. Vivem num mundo tecnológico extremamente avançado, que inclui máquinas superinteligentes, mas também medicina anti-envelhecimento, realidade virtual, uma diversidade de tecnologias de aumento cognitivo e pílulas de prazer: contudo, para eles, tudo isso poderá ser, de um modo geral, inacessível financeiramente. Em vez de recorrerem à medicina de aumento, talvez tomem medicamentos para retardar o crescimento e abrandar o metabolismo, tendo em vista a redução das despesas (os que queimam rapidamente muitas calorias não sobrevivem com um mínimo de subsistência em declínio constante). Com o nosso número em aumento constante e o rendimento médio per capita de que dispomos em contínua diminuição, poderíamos degenerar, tornarmo-nos numa qualquer estrutura mínima que ainda preencha as condições exigidas para receber uma pensão. (Talvez sejamos cérebros mantidos num estádio de consciência mínima dentro de tinas, oxigenados e alimentados por máquinas, economizando lentamente dinheiro para se reproduzirem, o que estará a cargo de um técnico-robô que contrataremos para desenvolver um clone de nós próprios.)
(...)
(...) Para quê aprender aritmética, leitor, quando pode confiar as tarefas de raciocínio numérico à Gauss-Modules Inc.? Para quê exprimir-se claramente, se pode contratar a Coleridge Conversations para traduzir em palavras os seus pensamentos? Para quê tomar decisões na sua vida privada quando existem módulos executivos homologados que lhe fazem um scan do seu sistema de objetivos e lhe gerem melhor os seus recursos em função dos seus objetivos do que o leitor o faria sozinho?
(...)
Posto isto, podemos imaginar, no caso limite, uma sociedade altamente avançada no plano tecnológico, composta por uma grande diversidade de estruturas complexas, algumas das quais muito mais complicadas e inteligentes do que tudo quanto hoje existe no planeta, sociedade essa que todavia não contém nenhum tipo de ser que seja consciente ou cujo bem-estar tenha uma significação moral. Num certo sentido, seria uma sociedade inabitada. Seria uma sociedade de milágres económicos e genialidade tecnológica, mas sem ninguém que tirasse proveito disso tudo. Uma Disneylândia sem crianças.»

Bostrom, N. (2019). Superinteligência. Caminhos, perigos, estratégias (pp. 241; 249-250; 251). Lisboa: Relógio D'Água.

Imagem retirada daqui: https://itforum.com.br/noticias/robotizacao-no-mercado-de-trabalho-uma-alternativa-em-tempos-de-epidemias-mundiais/

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