O longo caminho da igualdade de género


«Em termos históricos, as mulheres foram, sem dúvida alguma, o grupo discriminado de uma forma maciça e sistemática, tanto no Norte como no Sul, no Leste como no Oeste, em todas as dimensões e em todas as latitudes. As sociedades hunanas foram, na sua totalidade, sociedades patriarcais, no sentido em que foram construídas sobre um conjunto sofiscado de preconceitos de género e de atribuições de desempenho de determinados papéis a um sexo ou a outro. O desenvolvimento do Estado centralizado nos séculos XVIII e XIX foi acompanhado inclusive, em determinados casos, por uma forma de endurecimento e sistematização do patriarcado. Normas determinadas pelo género puderam ser codificadas e generalizadas ao conjunto do território nacional e das classes sociais, como a assimetria dos direitos entre os cônjuges no âmbito do Código Civil napoleónico ou as desiguladades de direitos eleitorais. O sufrágio feminino foi obtido na sequência de longas lutas e combates incertos, na Nova Zelândia em 1893, na Turquia em 1930, no Brasil em 1932, na Suíça em 1971 e na Arábia Saudita em 2015. Em França, após décadas de mobilizações feministas e de esperanças traídas em 1789, 1848 e 1871, a Câmara dos Deputados aprovou o direito de voto das mulheres em 1919, mas o Senado apôs o seu veto à lei, de modo que teve de esperar-se por 1944 para o sufrágio feminino entrar em vigor.

No decurso da segunda metade do século XX, quando a igualdade jurídica formal acabou por se impor, a ideologia da dona de casa como realização social conheceu o apogeu durante os Trinta Gloriosos [1945-1975]. Em 1970, pouco mais de 20% da massa salarial em França era auferida por mulheres, o que mostra até que ponto os assuntos de dinheiro eram pensados como questões de homens. No entanto, todos os estudos mostram que, se incluirmos as tarefas domésticas, as mulheres nunca deixarem de fornecer mais de 50% do tempo de trabalho total (comercial e doméstico). Se os rendimentos tivessem sido distribuídos entre os sexos em função do tempo de trabalho, isso teria representado uma transformação radical na distribuição dos rendimentos e das relações de poder na sociedade e no seio dos casais. O ponto importante é que comecemos a sair dessa idade de ouro do patriarcado. A parte das mulheres na massa salarial atinge apenas 38% em França em 2020, contra 62% para os homens, isto é, mais de metade do poder monetário para estes.

(...) Em França, a proporção de mulheres entre o 1% de remunerações mais elevadas passou, é certo, de 10% em 1995 para 19% em 2020. O problema é que essa progressão é extremamente lenta: se continuarmos a este ritmo, a paridade não deverá ser atingida antes de 2107.

(...) o facto de [o sistema de quotas] desbloquear lugares para as mulheres nos círculos dirigentes não deve servir de alibi para manter, de consciência tranquila, um sistema social fortemente hierarquizado e bseado no género para o resto da população. Aqui, a aposta central é a melhoria dos salários, dos horários e das condições de trabalho para milhões de operadoras de caixa, empregadas de mesa, empregadas de limpeza e dezenas de outras profissões fortemente feminizadas e que, em termos históricos, nem sempre receberam a mesma atenção no debate público e nas mobilizações sindicais que as profissões operárias masculinas. (...) Uma grande parte dos homens que dispõem das remunerações mais elevadas organizam a sua vida quase sem verem os filhos, a sua família, os seus amigos e o mundo exterior, contribuindo em simultâneo e de uma forma ativa para a corrida consumista e a degradação ambiental. Resolver o problema da desiguladade de género incitando as mulheres a fazer o mesmo não é a solução: há que desenvolver, pelo contrário, um outro equilíbrio dos tempos sociais. A aposta é muito mais importante (e também mais entusiasmante) do que algumas quotas, mesmo que estas últimas também façam parte da solução para sair do androcentrismo.»

Piketty, Th. (2022). Uma Breve História da Igualdade (pp.244-250). Lisboa: Temas e Debates.

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